Apreciação sindical da Estratégia Nacional para a Igualdade e Não Discriminação

igualdade discriminaçãoA CGTP-IN considera que a Estratégia Nacional para a Igualdade e Não Discriminação (ENIND) para o período 2018-2030, tem um âmbito demasiado restrito, por não abranger todas as dimensões da discriminação; tem um défice de participação de entidades com capacidade para intervir e dar contributos válidos em vários aspectos da concretização e da avaliação das medidas incluídas na Estratégia e nos Planos de Acção nos quais se desdobra; e finalmente a sua concretização plena está totalmente dependente da existência de fundos disponíveis, o que é susceptível de pôr em causa a realização pelo menos de uma parte das medidas preconizadas.

APRECIAÇÃO DA CGTP-IN

A Estratégia Nacional para a Igualdade e Não Discriminação (ENIND) – para um Portugal +Igual pretende definir orientações e medidas de política pública nos domínios da igualdade entre homens e mulheres, violência doméstica e discriminação em função da orientação sexual, identidade de género e características sexuais, e está estruturada em três planos:

- Plano Nacional de Ação para a Igualdade entre Mulheres e Homens (PNAIMH)

- Plano Nacional de Ação para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e Violência Doméstica (PNAVMVD)

-n Plano Nacional de Ação para o Combate à Discriminação em razão da Orientação Sexual, Identidade de Género e Características Sexuais (PNAOIL).

Em primeiro lugar, há que referir que apesar da designação de Estratégia para a Igualdade e Não Discriminação, na realidade apenas se trata aqui de algumas (poucas) dimensões deste fenómeno, sendo deixadas de fora muitas outras, como sejam as discriminações em função da idade, da doença e deficiência, da raça ou origem étnica, da nacionalidade, da religião, da condição económica e social, entre outras.

Isto significa que não estamos de facto perante uma Estratégia Nacional para a Igualdade e Não Discriminação em sentido geral, mas apenas de uma estratégia dirigida a dimensões muito específicas e determinadas da igualdade e não discriminação, com exclusão de todas as outras, o que é claramente redutor e faz desta Estratégia um instrumento muito menos amplo e muito mais restrito do que o necessário para um efectivo combate pela igualdade e não discriminação.

Acresce que a perspetiva da intersecionalidade afirmada na Estratégia não é suficiente para cobrir esta insuficiência, porquanto algumas das outras dimensões da discriminação que aqui se referem apenas são consideradas quando cruzam com as discriminações especificamente tratadas nos planos que integram a Estratégia.

Além do mais a Estratégia não integra medidas dirigidas a grupos afetados por múltiplas discriminações como é o caso das mulheres portadoras de deficiência. Como é sabido a deficiência em si é um factor de discriminação a vários níveis, sendo que as mulheres portadoras de deficiência sofrem mais desvantagens incluindo um maior risco de exclusão social, menos acesso à educação e formação e consequentemente também ao mercado de trabalho e maior exposição ao risco de maus tratos e violência. No entanto, nenhum dos Planos incluídos nesta Estratégia contém medidas dirigidas a este grupo.

Neste sentido consideramos que o conteúdo da Estratégia é insuficiente e redutor, não correspondendo às expetativas geradas pela sua própria designação supostamente ampla e abrangente.

A Estratégia Nacional para a Igualdade e Não Discriminação para um Portugal mais Igual e os Planos de Ação que a integram serão coordenados pela CIG, apoiada por uma Comissão de Acompanhamento da ENIND e por 3 Comissões Técnicas de Acompanhamento de cada Plano de Ação.

Neste domínio salientamos que a Comissão de Acompanhamento da Estratégia é composta quase exclusivamente por representantes de várias áreas ministeriais e estruturas superiores da Administração Pública e praticamente não conta com a participação da sociedade civil. Além da Ordem dos Advogados e de um representante de ONG indicadas pela CITE, não estão presentes nenhumas entidades representativas dos grupos potencialmente envolvidos nas medidas incluídas na Estratégia, como é o caso de associações de defesa dos direitos das mulheres ou das pessoas LGBTI ou associações de vítimas de violência, para dar apenas alguns exemplos.

Esta composição da Comissão de Acompanhamento da Estratégia parece-nos muito redutora, deixando de fora muitas sensibilidades com capacidade para participar e intervir nestas áreas, inclusive com conhecimento e experiência de terreno.

O mesmo se passa com as Comissões Técnicas de Acompanhamento dos Planos de Ação, que também enfermam de um défice de representatividade. Nomeadamente no caso da Comissão de Acompanhamento do Plano de Ação para a Igualdade entre Mulheres e Homens, que tem uma forte ligação à Agenda para Igualdade no Mercado de Trabalho e nas Empresas e por isso inclui muitas medidas de âmbito laboral, seria plenamente justificada a participação das associações sindicais.

Em terceiro lugar, há que salientar também que todas as medidas e compromissos incluídos na Estratégia e nos Planos de Ação que a integram são puramente contingentes, na medida em que estão sempre dependentes da existência de fundos disponíveis por parte das entidades públicas competentes.

Em nosso entender, esta determinação reflete uma inversão de prioridades, já que em princípio deveria primeiro proceder-se à avaliação dos fundos existentes e só depois, em função das disponibilidades financeiras, definir que medidas poderiam ser concretizadas.

A técnica de propor uma longa lista de medidas e ações, que ninguém sabe ao certo se poderão ou não ser concretizadas por eventual ausência de fundos, parece-nos pouco séria e altamente duvidosa, até porque torna muito fácil para qualquer das entidades públicas envolvidas impedir a concretização de algumas das medidas e ações projetadas, bastando para tanto alegar ausência de fundos disponíveis.

Em conclusão, numa apreciação genérica, a CGTP-IN considera que esta Estratégia para a Igualdade e Não Discriminação tem um âmbito demasiado restrito, por não abranger todas as dimensões da discriminação; tem um défice de participação de entidades com capacidade para intervir e dar contributos válidos em vários aspetos da concretização e da avaliação das medidas incluídas na Estratégia e nos Planos de Ação nos quais se desdobra; e finalmente a sua concretização plena está totalmente dependente da existência de fundos disponíveis, o que é susceptível de pôr em causa a realização pelo menos de uma parte das medidas preconizadas.

Plano Nacional de Ação para a Igualdade entre Mulheres e Homens

Este Plano aponta para uma forte ligação à Agenda para a Igualdade no Mercado de Trabalho e nas Empresas e pretende dar visibilidade ao combate à segregação profissional, à promoção da igualdade salarial e à conciliação entre vida pessoal e familiar e vida profissional.

No entender da CGTP-IN, no que se refere a esta dimensão da igualdade no mercado de trabalho e nas empresas, este Plano fica muito aquém do necessário, passa ao lado de muitas das questões fundamentais e não aborda as várias dimensões da desigualdade entre mulheres e homens no trabalho e no emprego da perspetiva adequada.

Por um lado o Plano contempla um conjunto de medidas abstratas e de escasso ou nenhum efeito prático, como é o caso da criação de um instrumento de avaliação do impacto de género da legislação ou da produção de um Livro Branco tendo em vista elaborar uma lei da não discriminação.

No que toca ao objetivo especifico de garantir condições para uma participação plena e igualitária de mulheres e homens no mercado de trabalho, as medidas apontadas são simultaneamente desadequadas e insuficientes, sendo clara a ausência de mecanismos e instrumentos de fiscalização e sancionamento das empresas e entidades patronais pelo incumprimento das regras que proíbem expressamente a discriminação entre mulheres e homens no trabalho e no emprego, incluindo na dimensão da igualdade salarial.

Já no que toca às questões da conciliação entre vida pessoal e familiar e vida profissional, as referências vão maioritariamente para o reforço das respostas em equipamentos sociais, ou seja propõe-se uma conciliação baseada exclusivamente na existência de mais creches, jardins-de-infância e escolas e com horários cada vez mais alargados, e não uma verdadeira conciliação que, em nome do interesse das crianças e do direito inalienável dos pais a acompanharem a educação dos seus filhos, permita aos pais e mães trabalhadores equilibrar horas de trabalho com horas disponíveis para a familia; ou seja, em matéria de conciliação, não se preconiza nenhuma medida no sentido da moralização da organização do tempo de trabalho, com o objetivo de regularizar os horários de trabalho, de modo a permitir uma verdadeira partilha entre trabalho e família – exceto uma vaga referência à promoção de compromissos com os parceiros sociais nestas matérias.

Relativamente à promoção da partilha de responsabilidades familiares entre mulheres e homens, as propostas ficam limitadas a uma vaga referência ao lançamento de uma discussão pública sobre partilha de licenças parentais.

Finalmente, não há nenhuma referência à questão do assédio moral e sexual nos locais de trabalho, que é um problema que afeta grande número de trabalhadoras. Em nosso entender, este Plano devia integrar uma estratégia séria de combate ao assédio nos locais de trabalho.

Plano Nacional de Ação para a prevenção e o combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica

Na sequência dos planos anteriores, também este pretende abordar os vários tipos de violência contra as mulheres, não se circunscrevendo à violência doméstica, o que consideramos positivo.

Nesta perspetiva o Plano devia abordar outros tipos de violência como é o caso da violência de género no trabalho

A violência contra as mulheres no trabalho tanto pode ser interna como externa. A violência interna manifesta-se dentro da organização e é exercida pelo próprio empregador, pelos superiores hierárquicos ou pelos colegas de trabalho. É um tipo de violência directamente relacionada com a vida da empresa e com o ambiente de trabalho, que pode ser potenciada pela desumanização das relações de trabalho e pela precariedade dos vínculos laborais, mas que resulta em primeiro lugar das relações de poder desiguais entre mulheres e homens. Pode manifestar-se sob a forma de assédio.

A violência externa, por seu lado, resulta de factores estranhos à própria empresa, embora relacionados com as funções exercidas ou com as condições em que são exercidas; atinge mais as mulheres quer em resultado dos estereótipos de género dominantes, quer por serem maioritárias em profissões onde o risco de violência tem vindo a aumentar.

No entender da CGTP-IN, no âmbito deste Plano de Ação devia prever-se o estudo e avaliação do fenómeno da violência contra as mulheres no trabalho e das suas diversas manifestações, e prever também algumas medidas de prevenção e combate a este fenómeno.

Outro tipo de violência contra as mulheres que também está ausente do Plano relaciona-se com as questões da prostituição e com o debate que está a ser travado em torno da profissionalização da prostituição e da despenalização do lenocínio. Sendo que, em nosso entender, a prostituição é também uma forma de violência contra as mulheres, consideramos que este Plano não devia ignorar a questão, pelo contrário, devia promover o debate, a informação e sensibilização para o tema.

No âmbito da prevenção e combate à violência contra as mulheres devia ainda dar-se particular atenção às agressões sexuais nas suas diversas formas. As mulheres, sobretudo as jovens, são frequentemente vítimas de assédio e agressões de cariz sexual na rua e nos transportes públicos, criando sentimentos de insegurança e vulnerabilidade, susceptíveis de se reflectirem a todos os níveis das suas vidas. A prevenção e o combate a este tipo de violência, que pode manifestar-se de forma verbal e escalar para a agressão física, passa pela compreensão dos seus mecanismos e pela denúncia dos seus efeitos. A formação no que respeita às desigualdades entre mulheres e homens constituem boa forma de prevenção. O Plano devia incluir medidas a este respeito.

Finalmente, o Plano devia dar relevância à violência contra as mulheres que se manifesta através da Internet e das redes sociais e que assume novas e variadas formas, mas que tal como todas as outras também tem origem nas relações de poder desiguais entre mulheres e homens.

Plano Nacional de Ação para o combate á discriminação em razão da orientação sexual, identidade de género e características sexuais

Registamos em primeiro lugar que o Plano para o combate às discriminações em função da orientação sexual, identidade de género e características sexuais aborda uma dimensão nunca antes contemplada neste tipo de estratégias, o que se saúda.

Neste domínio podemos dizer que a ignorância, o preconceito e a discriminação ainda são muito generalizados, levando à desinserção social e à estigmatização das pessoas LGBTI, pelo que é essencial que se preconizem medidas de sensibilização, informação e formação nestas matérias relacionadas com a orientação sexual e a identidade de género.

Por outro lado, este Plano devia dar maior visibilidade a uma interação muito clara com o Plano Nacional de Ação para a Igualdade entre mulheres e homens, uma vez que quando referimos as pessoas LGBTI também estamos a falar de mulheres, e mulheres duplamente discriminadas, na sua condição de mulheres e na sua condição de lésbicas, bissexuais, transexuais ou interssexuais.

Notamos ainda que o Plano aborda brevemente a questão da discriminação no trabalho, que é um tema importante. Sendo um facto que a Constituição da República e a legislação laboral proíbem a discriminação no acesso ao trabalho e ao emprego em função de um conjunto de fatores meramente exemplificativos, entre os quais se inclui já hoje expressamente a orientação sexual e a identidade de género, a realidade é que da lei à prática vai um grande passo e as discriminações continuam a prevalecer apesar da proibição legal, com base em preconceitos e estereótipos.

No entender da CGTP-IN, o Plano devia dar mais importância a esta dimensão, em defesa dos direitos e da dignidade destas pessoas no trabalho.

 

CGTP-IN
08/02/2018

 
 
 
 
 

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