Não é Pela Redução de Feriados Que o País Resolve Os Problemas Estuturais

 Não se pode assimilar feriados a pontes. Não só porque, como é óbvio, nem todos os feriados caem a uma terça ou quinta-feira, mas também porque, para muito trabalhadores, as pontes não são um direito, mas uma liberalidade, a qual pode ou não ser concedida – pelas empresas ou pelo Governo no âmbito da Administração Pública. A concessão de pontes é, nalguns casos, objectivo de negociação, constando de convenções colectivas, e noutras de consensos estabelecidos no final de cada ano. Existem casos ainda em que existem compensações em horas de trabalho noutros períodos, pelo que não se pode dizer que todas as horas de ponte são horas não trabalhadas. O que neste momento está a acontecer com o Mundial de Futebol é relevante já que muitas empresas permitem que os trabalhadores possam acompanhar as transmissões televisivas da equipa portuguesa no tempo de trabalho através de acordos informais.

 

 

Comunicado de Imprensa n.º 036/10

 

Não é pela Redução de feriados que o país resolve os problemas estuturais

 

1. A crise da dívida e as dificuldades económicas estão hoje a ser usadas como pretexto para fazer passar um conjunto de medidas de carácter social e laboral contra os trabalhadores, os desempregados e a população em geral. Será que essas dificuldades tudo justificam?

De facto, temos que:

  1. Num dia, o Governo altera o conceito de agregado familiar para efeitos de concessão de prestações sociais à parte mais carenciada da população, dizendo ser mais justo, quando a aplicação do novo conceito determina uma baixa do valor das prestações;
  1. Noutro dia, é o PSD a apresentar uma proposta para agravar a precariedade, quando o país é já hoje um dos campeões da precariedade na Europa;
  1. Noutro dia, ainda, são os patrões a reclamarem baixa de salários porque assim as empresas seriam mais competitivas quando, seguindo este raciocínio, pelos baixos salários já praticados, as empresas portuguesas seriam as mais competitivas da Europa.

2. Aparece agora a intenção da redução do número de feriados, vinda do PS e do PSD, a qual surge embrulhada com a questão das chamadas pontes, como se pontes e feriados fossem a mesma coisa. E logo surgem economistas destas áreas políticas a argumentar com o aumento da produção e com a melhoria da produtividade que se conseguiria com a diminuição do número de feriados. Como se tudo fosse redutível a tantos por cento do PIB e não a valores que têm diferentes razões: históricas, sociais e religiosas. Raciocinar neste termos apenas testemunha que, antes da crise que hoje enfrentamos – uma crise decorrente de problemas estruturais a que não foram dadas respostas e da dívida do país face a um ataque de forças especulativas –, está uma perda dramática de valores de alguns sectores da população na sociedade portuguesa. 

3. Mesmo que se use uma argumentação económica, é simplista dizer que a eliminação de feriados irá corresponder a um aumento da produção, como pretende um deputado do PSD. Se fosse assim tão simples então a incorporação na economia dos 592 mil desempregados existentes no primeiro trimestre deste ano permitiria seguramente um maior aumento da produção. Nem é verdade que os empresários se queixem que o obstáculo à produção resida nas horas trabalhadas. O que se conclui do inquérito do INE sobre os obstáculos à produção na indústria transformadora é que a insuficiência da procura é identificada em 81% das respostas. Quanto aos preços no consumidor, o que o Índice de Preços no Consumidor revela é que a inflação média anual continua negativa, o que não pode deixar de se relacionar com a baixa procura interna.    

4. É igualmente simplista afirmar que a produtividade se melhora assim, como se a redução do número de feriados fosse uma varinha mágica para um problema que tem a ver com a eficiência das unidades produtivas. Esta eficiência tem uma forte relação com problemas como o perfil produtivo do país, a organização e gestão das empresas e a baixa qualificação e formação, não só de trabalhadores mas também de patrões. Não é por existirem os feriados que existem que, em todos os sectores, há empresas altamente produtivas.

5. É estranho que argumentos tão economicistas esqueçam um indicador tão relevante como o das horas trabalhadas anualmente na economia, quando se sabe que a duração semanal de trabalho é em Portugal superior à média comunitária. O mesmo acontece se a comparação for feita com o número de horas trabalhadas por ano por trabalhador. Uma comparação feita pela OCDE para 2005 indica 1685 horas em Portugal face a 1594 horas na zona do euro (mais 91 horas por emprego).

6. Não se pode assimilar feriados a pontes. Não só porque, como é óbvio, nem todos os feriados caem a uma terça ou quinta-feira, mas também porque, para muito trabalhadores, as pontes não são um direito, mas uma liberalidade, a qual pode ou não ser concedida – pelas empresas ou pelo Governo no âmbito da Administração Pública. A concessão de pontes é, nalguns casos, objectivo de negociação, constando de convenções colectivas, e noutras de consensos estabelecidos no final de cada ano. Existem casos ainda em que existem compensações em horas de trabalho noutros períodos, pelo que não se pode dizer que todas as horas de ponte são horas não trabalhadas. O que neste momento está a acontecer com o Mundial de Futebol é relevante já que muitas empresas permitem que os trabalhadores possam acompanhar as transmissões televisivas da equipa portuguesa no tempo de trabalho através de acordos informais.

7. Estranha-se ainda que se proponha que os feriados que caiem a uma terça ou quinta-feira possam ser gozados a uma segunda-feira, mas nada se diga em relação aos feriados que caiem a um fim-de-semana.

8. Mais do que manifestarem preocupação com os feriados que temos, os Grupos Parlamentares do PS e do PSD deviam assumir as responsabilidades decorrentes das políticas seguidas nas últimas três décadas, responsáveis pela destruição de grande parte do sector produtivo, o elevado endividamento externo e o facto de terem colocado Portugal como um dos países com maiores índices de desemprego, precariedade, pobreza e desigualdades sociais.

DIF/CGTP-IN

Lisboa, 18.06.2010