28 de Abril - Dia Mundial da Segurança e Saúde No Trabalho

 O estabelecimento de um dia consagrado à memória das vítimas de acidentes de trabalho e doenças profissionais e à reflexão sobre as questões da segurança e saúde no trabalho é sem dúvida de extrema importância, mas não basta. A verdade é que o número de homens e mulheres que perdem a vida no trabalho ou por causa do trabalho continua a ser excessivo, havendo ainda que contar o número daqueles que ficam totalmente incapacitados ou com graves sequelas para toda a vida. É preciso sensibilizar todos os intervenientes no mundo do trabalho, no sentido de serem criados locais de trabalho saudáveis e seguros, que contribuam para a dignificação dos trabalhadores e das trabalhadoras.

Comunicado de Imprensa n.º 020/10

Posição da CGTP-IN
28 de Abril - Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho

I – Introdução

28 de Abril - Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho. Dia Nacional da Prevenção e Segurança no Trabalho.

O estabelecimento de um dia consagrado à memória das vítimas de acidentes de trabalho e doenças profissionais e à reflexão sobre as questões da segurança e saúde no trabalho é sem dúvida de extrema importância, mas não basta.

A verdade é que o número de homens e mulheres que perdem a vida no trabalho ou por causa do trabalho continua a ser excessivo, havendo ainda que contar o número daqueles que ficam totalmente incapacitados ou com graves sequelas para toda a vida.

Como afirma a nossa Constituição, a vida humana é inviolável, bem como a integridade moral e física das pessoas.

À luz deste princípio fundamental, não podemos continuar a assistir passivamente de braços cruzados à morte e à incapacitação de trabalhadores inocentes, à espera que a aplicação de uma série de medidas, marcadas por uma tolerância para com os prevaricadores que há muito deixou de ter justificação atendível, dê finalmente frutos.

É necessário que todos tomem rapidamente plena consciência de que o incumprimento das normas legais de prevenção dos riscos profissionais e de protecção da saúde e segurança no trabalho corresponde a uma conduta socialmente reprovável, merecedora de um juízo de censura ética, pelo menos semelhante àquele que nos merece a infracção das normas do Código da Estrada, igualmente causadora de inúmeros acidentes e mortes.

O valor da vida é sempre o mesmo em toda e qualquer circunstância. Não podemos admitir nem aceitar que a vida e a integridade física das pessoas mereçam menos respeito no trabalho do que em qualquer outra situação.

Neste quadro, a complacência com que tem sido e continua a ser encarada a sinistralidade laboral suscita interrogações de vária ordem e leva-nos a questionar o porquê desta situação, quando a preocupação dominante devia ser a defesa da saúde, da integridade física e da vida de quem trabalha.

É claro que, como qualquer actividade humana, o trabalho envolve riscos, mas estes riscos não são inevitáveis, podendo ser eliminados ou evitados mediante o desenvolvimento de determinadas actividades orientadas para esse fim – as actividades de prevenção de riscos profissionais, que são o campo privilegiado do combate à sinistralidade e à mortalidade no trabalho.

Em Portugal as taxas de acidentes de trabalho e doenças profissionais continuam demasiado elevadas e a maioria dos acidentes mortais ocorridos neste início de ano, nomeadamente na área da construção civil, demonstram que a legislação da Segurança e Saúde no Trabalho continua sem ser devidamente cumprida e aplicada.

Em Portugal as taxas de acidentes de trabalho e doenças profissionais continuam demasiado elevadas e a maioria dos acidentes mortais ocorridos neste início de ano, nomeadamente na área da construção civil, demonstram que a legislação da Segurança e Saúde no Trabalho continua sem ser devidamente cumprida e aplicada.

Assim, em mais este Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho é necessário reafirmar um conjunto de princípios muito claros, designadamente:

─       A protecção da segurança e saúde dos trabalhadores é uma prioridade absoluta, na medida em que todo o ser humano tem direito à vida, à saúde e à integridade física e psíquica e nenhum trabalhador, pelo facto de o ser, perde a sua dignidade humana.

─       As normas de segurança e saúde no trabalho devem ser pontualmente cumpridas pelos empregadores e o seu incumprimento deve ser efectivamente punido; os empregadores devem ser responsabilizados civil e penalmente pelos acidentes resultantes das infracções cometidas.

─       A Segurança e a Saúde no Trabalho devem ser os critérios fundamentais que devem presidir à implementação de qualquer forma de organização do trabalho. A integração da prevenção nos métodos de gestão consiste em afastar todas as formas de organização laboral que coloquem problemas de Segurança e Saúde.

Este ano, o tema central das actividades do Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho são “os riscos emergentes e os novos padrões de prevenção num mundo do trabalho em mudança”. Não devemos, no entanto, esquecer que estes chamados “novos riscos emergentes no local de trabalho” são na maior parte dos casos resultado de novas formas de organização de trabalho, que têm vindo a ser impostas aos trabalhadores em nome da competitividade e da produtividade das empresas e, mais recentemente, a pretexto da crise económica internacional.

Assim, num contexto laboral em que as rápidas mudanças organizacionais se têm frequentemente traduzido numa desregulamentação progressiva das relações de trabalho, é mais do que nunca necessário reafirmar que os trabalhadores são, antes de tudo, seres humanos cujo direito à vida e à saúde não pode ser preterido em função das necessidades e considerações económicas das empresas. É necessário reafirmar que não existem boas condições de trabalho nem qualidade de vida em geral sem Segurança e Saúde no Trabalho.

II – Enquadramento

Todos reconhecemos a necessidade de políticas e leis mais eficazes em matéria de prevenção. A realidade da nossa sinistralidade bem o reflecte e contraria muitas vezes até o próprio discurso oficial.

Quando as entidades públicas querem enaltecer o seu trabalho no combate à sinistralidade laboral, fazem-no geralmente falando apenas da redução do número de acidentes mortais. Mas este enunciar da redução do número de acidentes mortais como uma vitória das políticas de prevenção não passa de uma falácia, na medida em que:

  • A sinistralidade não se reflecte apenas nos acidentes mortais, mas reflecte-se também em todos os outros acidentes, muitos deles causadores de Incapacidade Permanente para o Trabalho;
  • A classificação legal de acidente de trabalho mortal não contempla de facto todas as situações em que o trabalhador falece em consequência de acidente de trabalho, pois não são contabilizadas as situações em que a morte não é uma consequência directa;
  • As doenças profissionais, também causadoras de morte e incapacidade no trabalho, nunca são referidas e a sua ocorrência crescente tem vindo a ser silenciada. Aliás sabemos que existe uma forte sub-notificação das doenças profissionais.

Embora reconhecendo algumas melhorias, nomeadamente no trabalho realizado na área da Prevenção pela ACT, um combate sério da sinistralidade laboral só se faz assumindo sem rodeios que é necessário fiscalizar e impor o cumprimento das normas.

O facto, porém, é que este ano a área da Fiscalização e Inspecção ficou ainda muito aquém do desejável e muito tempo intermedeia entre o momento em que são apresentadas as queixas pelos trabalhadores e o momento da reacção da ACT.

As políticas sérias de prevenção não se coadunam com branqueamentos e com politicas de gestão assentes na precariedade, na desqualificação e na desvalorização dos trabalhadores. A forma como valorizamos o trabalho e os trabalhadores é que faz a diferença entre uma sociedade desenvolvida ou subdesenvolvida.

O Relatório Estatístico de acidentes de trabalho 2000-2006, publicado pelo GEP, embora de forma desactualizada, reconhecemos, reflecte bem o facto de o número de acidentes de trabalho em Portugal, neste período, não apresentar uma tendência de descida. Se em 2000 foram registados 234 192 acidentes, em 2006 registaram-se 237 392 acidentes. Assim, só nos resta esperar que os dados mais recentes venham pronunciar uma clara tendência de descida, o que nos permitirá, em ultima análise, avaliar o impacto da campanha nacional para a SST 2007-2013.

Mas o mais preocupante, sobretudo pelo silêncio à sua volta, é o que se passa em relação às doenças profissionais. De acordo com a Segurança Social, no período de 2001 a 2006, assistimos a um quase triplicar do número de doenças profissionais certificadas. Em 2001 tínhamos 1312 e em 2006, 3577 doenças profissionais certificadas. Esta subida pronunciada e sustentada, principalmente dos casos de doença músculo-esquelética, reflecte bem a contribuição que as “novas” formas de organização laboral, com os seus “riscos emergentes”, estão a dar para a dimensão do problema.

Também os números de morte por doença profissional são preocupantes – em 2008 registaram-se 131 mortes por doença profissional e tudo leva a crer que este número vai subir, ao contrário do que sucede com os acidentes. Então porque é que só se fala dos acidentes de trabalho mortais? Porque é que não se fala das doenças profissionais?

Além disso, sabemos também que os novos factores de risco emergente, um dos temas escolhidos para 2010, estão mais frequentemente associados à ocorrência de doenças profissionais do que de acidentes e que muitas destas doenças relacionadas com o trabalho não constam da lista oficial de doenças profissionais (problemas reumatológicos, psicossociais, etc.)

A verdade é que, em Portugal, não sabemos sequer qual a real dimensão das doenças profissionais.

É importante percebermos que este panorama, que muitas vezes é desdramatizado pelos principais responsáveis, resulta da crescente desvalorização do trabalho e da dignidade de quem trabalha.

De acordo com o GEP, em Portugal perdem-se mais de 7 milhões de dias de trabalho por ano devido a acidentes de trabalho. São cerca de 3 mil milhões de euros perdidos por ano que não entram para o PIB. Será que um país “pobre”, em recessão, onde se fala tanto na necessidade de produtividade, se pode dar ao luxo de possuir uma sinistralidade com esta dimensão?

Para terminar, vejamos mais um dado: em 2007 foram entregues 110.020 relatórios anuais de actividades de SST provenientes de entidades empregadoras, representando cerca de 32% das empresas registadas; em 2008, este número desceu para 107 702 empresas.

Isto significa que as empresas não estão a cumprir com uma obrigação que tem por objectivo constituir o principal instrumento de auscultação do panorama de SST em Portugal, sem que ninguém pareça preocupar-se em determinar as causas de tal incumprimento.

III – Propostas

  • Este dia 28 deve ser o primeiro dia do início de um combate sério a todas as formas de sinistralidade laboral e de doença profissional. As ameaças de desregulamentação laboral crescente, como as resultantes das propostas do grupo Stoiber (Grupo Europeu de Alto Nível) para a revisão da directiva 89/391/CE, visando nomeadamente isentar as PMES da obrigação de realizar e registar a avaliação de riscos profissionais, ou a pressão da crise, não podem refrear o combate à sinistralidade, pois, mesmo em tempos de crise, continuam a persistir os acidentes de trabalho e as doenças profissionais.

A CGTP-IN propõe, assim, um conjunto de medidas, que julgamos constituírem uma mais valia para uma estratégia futura de combate à sinistralidade laboral:

  • Tornar a estratégia nacional 2007-2013 mais efectiva, publicando-se um estudo intermédio que avalie o seu impacto até esta data;
  • Aumentar os recursos humanos e materiais e os meios da ACT, tanto na vertente preventiva como na vertente inspectiva;
  • Utilizar os dados do relatório de actividades como dados indiciadores de incumprimento, apontando as acções inspectivas para as empresas incumpridoras;
  • Reformular o Referencial de Certificação do Técnico de SST e do Técnico Superior de SST, integrando um módulo sobre a participação de trabalhadores, a ser preparado e desenhado com apoio dos parceiros sociais sindicais;
  • Reforçar a participação de trabalhadores nos locais de trabalho através da valorização do Representante dos Trabalhadores para a SST, aprofundando os seus direitos;
  • Formar os Técnicos e Inspectores da ACT sobre aspectos ligados à participação de trabalhadores e seus direitos, na medida em que se sentem muitas dificuldades para os exercer e encontrar apoio junto da ACT para o seu exercício, em concreto;
  • Aprofundar a participação dos parceiros sociais nos órgãos institucionais para a SST;
  • Criar mecanismos de regulação das situações que representem uma descaracterização dos contratos de trabalho, dos horários, das funções e retribuição dos trabalhadores (prémios…) para que estas situações sejam alvo de um maior controlo para que não se tornem tão gravosas em termos de segurança e saúde dos trabalhadores;
  • Acompanhar e fiscalizar de forma inequívoca e eficiente a actividade das empresas de serviços externos de SST, que continuam a prestar serviços de má qualidade e de carácter insuficiente;
  • Acompanhar e fiscalizar a actividade dos médicos do Trabalho, principalmente das situações fraudulentas e de cumprimento meramente formal;
  • Sensibilizar os médicos em geral para a obrigação de notificação das doenças profissionais;
  • Apostar mais na formação da população em geral e dos parceiros sociais, de forma que vejam a SST como uma matéria indispensável à boa saúde das empresas e trabalhadores, e não apenas um requisito de cumprimento legal, que leva apenas ao seu cumprimento formal…

Em conclusão, é preciso sensibilizar todos os intervenientes no mundo do trabalho, no sentido de serem criados locais de trabalho saudáveis e seguros, que contribuam para a dignificação dos trabalhadores e das trabalhadoras.

DIF/CGTP-IN
Lisboa, 27.04.2010