Balanço da Presidência Portuguesa e a Situação do País

BALANÇO DA PRESIDÊNCIA PORTUGUESA E A SITUAÇÃO DO PAÍS


Para a CGTP-IN, o balanço da Presidência Portuguesa da U.E. deve ser feito considerando três vertentes: (i) A definição de iniciativas, a sua concepção, direcção e formato; (ii) A leitura feita pelos meios políticos e económicos dominantes, assim como a produzida pela comunicação social; (iii) Os impactos na realidade em que os trabalhadores e a população portuguesas vivem.

1. A definição de iniciativas, sua concepção, direcção e formato surgiram como positivas, na medida em que transmitiram para o exterior a imagem de um Portugal com capacidade de iniciativa na condução de discussões importantes. Somos um pequeno e periférico país, com fracos desempenhos económicos e sociais e a Presidência Portuguesa conseguiu fazer passar, meramente no plano simbólico, uma imagem muito diferente.

2. A leitura que os meios políticos e económicos dominantes, mas sobretudo a comunicação social, fizeram das mais emblemáticas iniciativas da Presidência é, na maioria das vezes, enganosa, no sentido em que, pela sua superficialidade ou pela ausência de rigor nos conteúdos, acabou por mascarar os conteúdos objectivos dessas iniciativas.

-        Foi o caso da Cimeira U.E. / África, em que os nossos parceiros africanos recusaram os termos dos Acordos que a U.E. lhes propôs, visto consubstanciarem, em relação aos mercados dos Serviços Agrícolas, a mesma receita que estes já haviam recusado no âmbito das negociações da OMC. Contudo, não foi esta a essência da leitura que passou.

-        Foi assim na Cimeira do Diálogo Social, com Governos e patronato Europeus a serem “mais papistas que o Papa” na interpretação do Acordo dos Parceiros Sociais Europeus sobre Flexigurança, que em nada autoriza as conclusões tornadas públicas com pompa e circunstância no final dos trabalhos. Entretanto, a interpretação transmitida serviu para atacar os trabalhadores e o movimento sindical.

-        E que dizer das iniciativas (CIG e assinatura do Tratado nos Jerónimos) em redor do Tratado de Lisboa, tentando fazer passar a ideia de que estarão resolvidos os problemas políticos internos, e de relações com terceiros, “ultrapassado que estaria o impasse que durante anos paralisou a U.E.”, quando, na realidade, a questão de fundo se situa, por um lado, na condenação crescente dos povos quanto ao caminho e políticas que vêm sendo seguidas no processo de construção europeia e, por outro, no imediato, a forma como cada Estado Membro vais proceder à ratificação do mesmo.

Esta questão é tanto mais importante quanto se sabe haver uma clara tendência para afastar os povos do debate e da decisão, num quadro em que estão em jogo questões tão importantes como a transferência de fatias significativas de soberania de cada Estado e uma nova forma de realizar a gestão política futura da U.E.

O Tratado é particularmente importante para os trabalhadores visto que configura uma fragilização da vertente social ao retirar a Carta dos Direitos Sociais do texto do Tratado, remetendo-a para um Anexo, o que representa uma inquestionável desvalorização política, ou ainda, quando despromove o diálogo social, deslocando o seu articulado do Artigo 5.º para o Artigo 136.º, gesto que na hierarquia dos temas não é irrelevante. Tal facto é sumamente preocupante na medida em que, particularmente em Portugal, se assiste a um forte ataque à contratação colectiva e, como se sabe, não há diálogo social com conteúdo sem a efectivação da negociação e contratação colectivas.

Por tudo isto, a CGTP-IN reafirma que, em Portugal, deve ser promovido um amplo e profundo debate público sobre o impacto das políticas resultantes da dinâmica da implantação do Tratado, a culminar com a realização de um Referendo.

A CGTP-IN quer uma Europa social e solidária com Estados sociais fortes que garantam uma efectiva protecção social, serviços públicos de qualidade, mercados de trabalho regulados por normas de trabalho, de negociação colectiva como fonte de direito com sentido de progresso e respeitadora dos direitos adquiridos e com diálogo social assente numa base séria e no respeito pelo papel e intervenção dos sindicatos, em contraposição a políticas desenvolvidas e reafirmadas no Tratado.

Para a CGTP-IN é necessária uma nova estratégia para a U.E., assente em políticas económicas e sociais que promovam o desenvolvimento sustentável e as várias componentes do modelo social europeu. É necessário dar resposta séria e consistente aos graves problemas que afectam os trabalhadores e a população portuguesa, no sentido de garantir o desenvolvimento do país, assente no crescimento económico, na valorização do trabalho com direitos e empregos de qualidade e no combate efectivo à precariedade laboral.

 

A SITUAÇÃO DO PAÍS E AS CONDIÇÕES DE VIDA E DE TRABALHO DOS PORTUGUESES PIORARAM EM 2007

 

3. A presidência portuguesa da U.E. não pode assim ser dissociada do conteúdo das políticas económicas e sociais do Governo ao longo do ano, que não alteraram para melhorar a realidade que os trabalhadores e a população vivem.

Para sermos rigorosos, devemos mesmo acrescentar que a situação está pior no final dos seis meses da Presidência. É o que se passa com o reconhecido fraco crescimento económico e com o desemprego que se mantém num nível inaceitavelmente elevado. É assim no que ao poder aquisitivo diz respeito, com o Eurostat a vir a público, mais uma vez, dizer que estamos a perder poder de compra. É assim com os salários – excepção à valorização do SMN – onde continuamos na cauda da União, situação que se irá agravar, designadamente, se for imposta a proposta do Governo de um aumento de 2,1% na Administração Pública, quando já é claro que a inflação para 2008 vai ser superior. É assim com os índices de pobreza, que se vêm agravando. É assim com a saúde, com a educação/formação, podendo continuar-se a enumerar, quase até à exaustão, nas diversas políticas sociais, aspectos negativos de uma realidade económica, social e política dura para a maioria dos portugueses.

O Governo, durante 2007, teimou erradamente na ideia de que os sérios problemas do país têm a sua raiz num défice orçamental considerado elevado, quando as grandes questões, que continuam por resolver são, fundamentalmente:

a)      a vulnerabilidade do Estado, e a submissão do Governo aos interesses do poder económicos e do sector financeiro e especulativo;

b)      o baixo crescimento económico e a tendência para o agravamento do desemprego;

c)      o baixo nível de vida de uma parte substancial da população e o grau elevado das desigualdades sociais;

d)      a baixa produtividade da maioria das empresas e dos sectores de actividade, apesar do aumento do esforço dos trabalhadores;

e)      a desregulamentação do mercado de trabalho, em resultado da precariedade e do não cumprimento das leis;

f)        a falta de respostas adequadas no domínio da educação, incluindo o abandono escolar precoce;

g)      o enfraquecimento das políticas sociais, do papel do Estado e da Administração Pública;

h)      o sentimento de insegurança que progressivamente se instala e a falta de confiança na Justiça.

Face a estes problemas, as respostas ou não existiram ou foram incipientes.

Na sua  mensagem de Natal, o Primeiro-Ministro  manifestou preocupações com o desemprego (reconhecendo que ele não tem baixado) e com as escassas qualificações dos trabalhadores, preocupações essas que partilhamos. Mas,  apresentar um balanço de 2007 em pano de fundo cor-de-rosa é, no mínimo, surpreendente. A situação económica internacional com a crise do mercado imobiliário (que se traduziu já na revisão em baixa do crescimento económico da UE) e a patente vulnerabilidade das famílias e das empresas (com um nível de endividamento que é dos mais elevados na zona do euro), são preocupantes. Uma parte considerável das famílias sofre na pele as consequências da elevação das taxas de juros e as condições de acesso ao crédito tornaram-se mais restritivas.

Projectando o futuro, o Primeiro-Ministro prioriza, uma vez mais, a redução do défice orçamental, o que espelha uma visão economicista da sociedade e uma ruptura com objectivos estratégicos dos próprios governos do PS, que ainda há poucos anos consideravam que as pessoas estavam primeiro. O Primeiro Ministro deveria dizer que essa redução do défice foi obtida à custa da redução do investimento (com consequências nos recursos atribuídos ao chamado “capital humano” – educação, formação, emprego e sociedade da informação e do conhecimento – bem como do capital físico), da diminuição dos salários reais na Administração Pública e do corte de despesas sociais.     

O Primeiro Ministro dá ênfase às realizações relativas às  políticas sociais, quando estas, no seu conteúdo concreto, têm sido secundarizadas pelos objectivos orçamentais. Afirmar que existe uma segurança social pública mais forte quando a reforma da segurança social irá reduzir o nível das pensões por via da introdução do factor da sustentabilidade (que diminui o valor das pensões em função do aumento da esperança de vida), é colocar os portugueses num logro de análise que se pagará caro no futuro.

Na legislação de trabalho, as políticas seguidas vão no sentido da liberalização, camuflando-se esses objectivos com encenações de leituras de trabalhos armadilhados, como é o caso do Livro Branco das Relações Laborais, ou com a discussão de conceitos manipulados, como é o caso da invocação da flexigurança. As posições sobre o Código de Trabalho, em que há o risco de o Governo enterrar as propostas do PS quando estava na oposição ao PSD-CDS/PP, não são tranquilizadoras.

O ano de 2007 irá encerrar-se, como vimos, com um panorama sombrio no quadro de ameaças de agravamento dos problemas decorrentes da crise bancária que, a concretizar-se, poderão atingir duramente o país, dado o grau de endividamento das famílias e das empresas. Por outro lado, há reais perigos de agudização dos problemas económicos e as práticas de governação vão dando crescentes sinais de prepotência e de manipulação na apresentação dos resultados das suas políticas.

Para a CGTP-IN é necessário um novo rumo e a implementação de mudanças reais de políticas, na premissa que a negociação colectiva, a participação e o diálogo social, constituem instrumentos essenciais para responder aos problemas-chave do mundo do trabalho e da sociedade portuguesa.

Lisboa, 27 de Dezembro de 2007