Desigualdades sociais põem em causa a coesão social e o desenvolvimento do país

As desigualdades sociais atingem hoje patamares sem precedentes na história da democracia portuguesa. Os lucros do capital consomem uma parte cada vez maior da riqueza produzida, ao mesmo tempo que os trabalhadores vêem cair os seus rendimentos, e muitos deles, trabalhando, são empurrados para a pobreza. Na raiz das crescentes divergências entre os mais ricos e a restante população está a politica de direita e a governação do PSD-CDS nos últimos 4 anos.

É preciso acabar com a política geradora de desigualdades e empobrecimento.

Por mais que o 1º Ministro tente subverter os factos e omitir os impactos da sua politica, os trabalhadores não esquecem as promessas que fez e não cumpriu; os cortes nos salários, nas pensões, na protecção social e apoios sociais; a redução de direitos laborais e sociais; os ataques à contratação colectiva nos sectores privado e público; o aumento brutal dos impostos sobre os trabalhadores e pensionistas; os despedimentos, o desemprego e a precariedade; a privatização de empresas estratégicas para o desenvolvimento do país; a ofensiva contra as Funções Sociais do Estado, traduzida em sucessivos cortes no Serviço Nacional de Saúde, na Escola pública democrática, inclusiva e de qualidade, e na Segurança Social e no poder local democrático.

O país pode estar melhor para os interesses dos grandes grupos económicos e financeiros mas está pior para os trabalhadores e a generalidade da população. Temos uma divida pública impagável e um Tratado Orçamental que esmaga a economia, asfixia as Funções Sociais do Estado e os Serviços públicos, impede o investimento público para pôr a economia a crescer e ataca os direitos laborais e sociais dos trabalhadores, pensionistas, dos jovens e dos desempregados.

Quando o 1º Ministro afirma que "chegou a hora de combater as desigualdades", não só está a tentar esconder que foi o seu Governo o maior responsável pela situação social dramática em que uma grande parte da população se encontra, como está, 4 anos depois, a persistir na mentira para tentar enganar os trabalhadores e o povo.

Depois de recentemente ter demonstrado que o Governo manipulou os dados do emprego e do desemprego em Portugal, a CGTP-IN apresenta 4 exemplos concretos de que o país, com a politica de direita entrou num rumo de retrocesso social e civilizacional que importa travar quanto antes, para bem dos trabalhadores, do povo e do país!

1º: agravam-se as desigualdades na repartição do rendimento

A repartição do rendimento entre o trabalho e o capital agravou-se desde que o Governo do PSD/CDS entrou em funções. A parte da riqueza que vai para ordenados e salários passou de 36,1% em 2011 para 34,5% em 2014. Em contrapartida, os lucros, que já tinham um peso maior no PIB, passaram de 41,6% em 2011 para 43,3% em 2014. Neste período em que o Produto Interno Bruto desceu cerca de 3,9 mil milhões de euros, os ordenados e salários perderam 3,1 mil milhões de euros, mas a parte do capital aumentou mais de 1,7 mil milhões de euros.

Esta situação não foi fruto do acaso. O Governo tomou medidas para aumentar a exploração do trabalho, desde alterações à legislação do trabalho, nomeadamente por via do aumento efectivo do tempo de trabalho através do corte de 4 feriados e 3 dias de férias, da facilitação dos despedimentos e redução das indemnizações, do aumento do horário de trabalho das 35h para as 40 horas na Administração Pública, do bloqueamento da contratação colectiva e da respectiva actualização anual dos salários, da redução dos salários e das pensões, do congelamento das carreiras profissionais na AP e no Sector Empresarial do Estado, das alterações ao valor do trabalho suplementar, entre outras.

Tendo como base de cálculo o rendimento médio mensal líquido (Estatísticas do Emprego, INE), estima-se que entre 2012 e 2014, os trabalhadores por conta de outrem tenham tido um acréscimo de trabalho não pago que ultrapassa 3,8 mil milhões de euros, só por via da redução para metade do pagamento do trabalho extraordinário em 2012 e corte nos dias de férias e feriados a partir de 2013.

O acréscimo do trabalho não pago na Administração Pública é ainda superior. A somar à retirada dos feriados e à diminuição do pagamento das horas extraordinárias, a partir de 2013 (e que não foi reposto em 2015), foi ainda imposto o aumento do horário das 35 para as 40 horas. Em termos acumulados, e mesmo sem contabilizar o efeito da redução do pagamento do trabalho extraordinário, cada trabalhador da Administração Pública é credor de 3.400 euros por trabalho prestado a mais, e que não foi pago.

2º: impostos aumentaram para os trabalhadores e pensionistas e continuam a diminuir para as empresas

Entre 2012 e 2014 as receitas de IRS aumentaram 42%. Como 90% dos rendimentos tributados em sede de IRS são provenientes de salários e pensões, constata-se que a carga fiscal sobre os rendimentos de trabalho aumentou 42%, retirando às famílias mais de 3,4 mil milhões de euros.

Com as alterações verificadas, o sistema tributário ficou ainda mais injusto e desequilibrado. A diminuição do número de escalões - que reduziu a progressividade do imposto - e a sobretaxa de 3,5%, aplicada a todos os rendimentos acima do salário mínimo nacional, foram duas dessas medidas, às quais se juntou uma revisão das deduções que provocou o aumento do imposto a liquidar.

Processo diferente foi o que o Governo desencadeou para as grandes empresas e grupos económicos. Desde a entrada em vigor da reforma de IRC que as empresas são sujeitas a taxas de imposto nominal cada vez mais baixas (25% em 2013, 23% em 2014, 21% em 2015) além de beneficiarem de um conjunto vasto de alterações que, tendo sido cirurgicamente elaboradas para favorecer as grandes empresas, reduzem expressivamente a sua base tributária e, por isso, o imposto a liquidar. Daqui resultou que o Estado teve uma redução de 11% nas receitas de IRC (-550 milhões de euros) no primeiro ano de aplicação da "Reforma", deixando ainda livres de impostos a maioria dos dividendos e outros rendimentos de capital gerados em Portugal.

A política fiscal do Governo PSD/CDS, marcadamente de classe, pode resumir-se em duas ideias:

1) Cada agregado familiar com rendimentos do trabalho e de pensões sujeitos a IRS pagou, em média, mais 1.415 euros em 2014 face a 2012:

2) Cada empresa com rendimentos sujeitos a IRC pagou, em média, menos 4.681€ em 2014 face a 2013

Nenhuma das alterações que provocaram o brutal aumento dos impostos para quem vive do seu trabalho foi revertida na Reforma do IRS. A diminuição da progressividade e o crescente peso que os impostos indirectos (impostos "cegos" ao rendimento de quem os paga) têm em Portugal – aos quais se somam os impostos indirectos da "Fiscalidade Verde" - contraria um dos objectivos fundamentais do sistema fiscal: o da redistribuição da riqueza, especialmente importante num país com níveis de desigualdade tão elevados. Com a plena aplicação da Reforma do IRC, nomeadamente com a taxa de imposto a alcançar os 17% como é previsto, aprofundar-se-ão as desigualdades fiscais já existentes.

3º: os trabalhadores e o povo estão mais pobres

Como consequência da ofensiva do Governo do PSD/CDS contra os rendimentos dos trabalhadores e da população em geral, a pobreza teve um aumento de 20% em apenas dois anos. Entre 2011 e 2013 mais de 455 mil portugueses caíram na pobreza, dos quais cerca de 80 mil são crianças e jovens com menos de 18 anos[1]. Os trabalhadores e os desempregados foram os mais afectados pelo aumento da pobreza neste período (0,8 p. p. e 2,1 p.p. respectivamente[2]).

Em 2013 havia 2 milhões e 700 mil portugueses pobres (1 em cada 4), contando-se entre eles mais de 576 mil crianças e jovens, o grupo onde há maior incidência de pobreza (1 em cada 3). As crianças e os jovens são vítimas das medidas que fizeram aumentar o desemprego e os baixos salários entre os seus pais, tendo sido também afectadas pela diminuição e corte de transferências sociais.

A intensidade da pobreza também aumentou neste período (de 24,1% para 30,3%), o que significa que quem é pobre agora vive com menos recursos do que no passado, ao contrário do que afirma o Governo. Entretanto, o nível de privação material[3] também aumentou, sendo cada vez maior o número de portugueses que não consegue fazer face a necessidades económicas ou adquirir bens duráveis (entre 2011 e 2014 a percentagem aumentou de 20,9% para 25,7%, sendo maior nos casos das famílias com crianças).

4º: atacar as Funções Sociais do Estado é pôr em causa a coesão social e o desenvolvimento do país

É hoje claro que a chamada "Reforma do Estado" está a ser aplicada de forma faseada, e de acordo com o objectivo pela qual foi definida: a degradação e esvaziamento das Funções Sociais do Estado e a reconfiguração do Estado em mínimo para os trabalhadores e máximo para o capital.

Os cortes orçamentais, que ascendem a cerca de 2,6 mil milhões de euros entre 2011 e 2014 e a redução de 70 mil trabalhadores nos últimos 3 anos estão, entre outros, na origem das dificuldades crescentes de resposta às necessidades das populações, designadamente no Serviço Nacional de Saúde, do ensino público e da Segurança Social.

O encarecimento dos cuidados de saúde no Serviço Nacional de Saúde, obrigando os utentes a pagarem falsas "taxas moderadoras" que são, sim, copagamentos, coloca enormes obstáculos ao seu acesso geral e universal, direito consagrado constitucionalmente. Acresce que há um vasto conjunto de serviços de saúde - especialidades, exames e cuidados médicos - que simplesmente estão excluídos do SNS, pelo que os utentes se vêem obrigados a pagá-los directamente. A conjugação dos dois factores faz com que Portugal esteja no topo da lista dos países onde os utentes mais têm de pagar por cuidados de saúde: em 2009 era o 6º país da UE e em 2012 já era o 4º.

Ao mesmo tempo que o SNS se torna mais caro e se degrada, proliferam unidades de saúde privada e os seguros de saúde, altamente apoiados - e por vezes, financiados, através de contratos PPPs de saúde - pelo Governo. A Saúde tornou-se uma área de negócio para o sector privado, como se verifica pelo crescimento em cerca de 30% nos lucros de dois maiores grupos económicos do sector entre 2013 e 2014.

Na educação, é igualmente visível a tentativa de beneficiar o sector privado, que cresce paralelamente ao encerramento da escola pública um pouco por todo o país. A criação de mega agrupamentos e de mega turmas, a falta de professores e de funcionários - culminando em inícios do ano lectivo absolutamente caóticos - a imposição de currículos e exames nacionais e o encarecimento dos níveis superiores de ensino, determinam profundas desigualdades ao nível do acesso, do sucesso escolar dos alunos. O processo de municipalização, a concretizar-se, criaria mais um motor de desigualdades, passando a qualidade da escola pública a depender da capacidade financeira do município onde se insere.

Estas alterações agudizam ainda as desigualdades de oportunidades futuras das crianças e dos jovens de acordo com os respectivos contextos familiares em que se inserem. Algo que é plasmado nos dados do Eurostat: apenas 3,8% dos jovens cuja família vive abaixo dos 60% do rendimento mediano acede ao ensino superior, contra 28,4% dos jovens cujas famílias auferem mais do que este patamar de rendimento (divergência que aumentou desde que este Governo entrou em funções).

Ao nível das prestações sociais, tudo tem sido feito de forma a retirar rendimentos de subsistência aos que menos podem e menos têm. Marca indissociável deste Governo é a retirada do abono de família a mais de 116 mil crianças, a retirada do rendimento social de inserção a mais de 126 mil famílias, a retirada do complemento solidário a mais de 36 mil idosos, a negação das prestações de desemprego a mais de metade dos desempregados.

O Governo é, pois, primeiro e principal responsável pelo abandono, pobreza e exclusão social de camadas crescentes da população, entre as quais os milhares de trabalhadores cujo desemprego se deve em exclusivo à política de direita desenvolvida ao longo dos anos e agravada com o Governo PSD/CDS.

Propostas da CGTP-IN para a redução da pobreza e das desigualdades

As desigualdades têm como raiz a política de direita promovida pelos sucessivos governos, pelo que só uma ruptura com as suas causas permitirá combater e erradicar a desigualdade. Portugal precisa e os trabalhadores exigem uma política de esquerda e soberana, que invista na produção nacional e na valorização do emprego, que assegure a reversão das privatizações nos sectores e empresas estratégicos e aposte nas funções sociais, garantindo uma renegociação da dívida pública nos seus prazos montantes e juros, bem como o fim do tratado Orçamental e das regras que o caracterizam.

Trabalho

Na proposta para uma política alternativa que a CGTP-IN defende, a valorização do trabalho é estruturante, pelo seu carácter mobilizador e porque se relaciona com as restantes variáveis económicas. Neste sentido a CGTP-IN exige:

· A subida geral dos salários e do SMN e a reposição, na totalidade e de forma imediata, dos salários retirados aos trabalhadores da Administração Pública e do Sector Empresarial do Estado,

· A revogação das normas gravosas da legislação laboral para o sector privado e público;

· A manutenção das 35 horas na Administração Pública e a igualdade de tratamento para o sector privado com a redução progressiva do horário de trabalho, sem perda de retribuição.

· A dinamização da contratação colectiva, entendendo-a como fonte de direitos e um elemento fundamental da democracia, pelo que se impõe a revogação das normas que determinam a caducidade dos Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho;

A subida geral dos salários e do SMN, permite a dinamização da procura interna e o crescimento económico, feito por meios próprios e não através de reduções das contribuições para a segurança social que criam a ilusão do aumento do rendimento disponível ao mesmo tempo que hipoteca as pensões no futuro e perpétua a desigualdade na repartição do rendimento, num quadro em que a parte da riqueza que reverte para as remunerações se situa em níveis historicamente baixos. Ainda no que concerne à segurança social, o aumento dos salários permitirá dar um forte contributo para a sua sustentabilidade, quer pelo aumento das contribuições, quer pela redução do desemprego e a criação de mais e melhor emprego que uma dinamização da procura interna terá.

A valorização do trabalho enquadra-se ainda no modelo de sociedade que queremos construir. Só a estabilidade e segurança no emprego, possibilitam uma verdadeira aposta na (re)industrialização e modernização do nosso perfil produtivo. A estabilidade laboral e a aposta na qualificação da força de trabalho não podem ser desligadas, sendo esta uma condição fundamental para desenvolver e apreender novas técnicas e processos e, assim, empreender uma alteração que reforce o país. As consequências que a promoção do emprego com direitos terá em âmbitos tão diferenciados como sejam a produtividade ou a demografia são outros aspectos importantes a que a valorização do trabalho potencia. Neste sentido é fundamental a revogação das normas gravosas da legislação laboral, bem como a manutenção do horário de trabalho, das 35 horas na Administração Pública e a sua redução progressiva no sector privado, sem perda de retribuição.

Impostos

A CGTP-IN tem uma proposta estruturada que materializa uma política fiscal mais justa, que desonera os rendimentos do trabalho, incidindo sobre os do capital, onde demonstramos que é possível e necessário obter mais receita fiscal ao mesmo tempo que reduzimos o IRS e o IVA. Entre as medidas propostas, salientamos:

· Eliminação imediata da sobretaxa do IRS;

· Criação de mais escalões no IRS, com deduções à colecta que privilegiam os agregados de menor rendimento;

· Redução da taxa de IVA dos bens e serviços de primeira necessidade, para a taxa reduzida, como é o caso da electricidade;

· Criação de impostos sobre o capital, nomeadamente de uma taxa sobre as transacções financeiras, de escalões no IRC podo as grandes empresas a pagar mais, acabando com os benefícios fiscais e, entre outras, promovendo um combate à fraude e evasão fiscal eficaz.

Funções Sociais do Estado

A educação, a saúde e a segurança social desempenham uma função central no desenvolvimento do país, são garante da elevação das condições de vida da população e o seu carácter público, universal e sem barreiras ao acesso, elementos centrais da sua eficácia.

A CGTP-IN denuncia o processo de municipalização em curso, que visa transferir para o poder local, asfixiado financeiramente, a responsabilidade de uma alienação das responsabilidades do Estado nestas áreas, e exige:

· O incremento das funções sociais do Estado, com recurso ao aumento das receitas oriundas da política fiscal que preconizamos;

· O alargamento das prestações sociais de desemprego (do regime não contributivo) a todos quantos delas necessitem, bem como o reforço e maior abrangência das restantes prestações sociais, nomeadamente o abono de família e o RSI. A CGTP-In reclama ainda o aumento das pensões de reforma;

· O acesso à saúde, com melhorias na qualidade do SNS e a remoção das barreiras impostas, quer sejam de carácter financeiro, como o aumento das taxas moderadoras, quer sejam as que resultam do encerramento de serviços e valências;

· O acesso à educação e a valorização da escola pública, gratuita e de qualidade, o que passa pela dignificação de todos os profissionais do sector e pelo fim da asfixia financeira a que o sector está sujeito;

· A reversão dos processos de privatização dos sectores e empresas estratégicos ao desenvolvimento do país.

Pobreza

Sem prejuízo da adopção de medidas urgentes para responder à situação dramática para a qual a política de direita empurrou milhares de portugueses, o combate à pobreza tem de passar por uma política de desenvolvimento integral do país, que potencie, entre outros, a produção e o emprego com direitos.

A CGTP-IN exige o fim das medidas que promovem a precariedade e negam o direito ao trabalho, bem como denunciamos e combatemos a tentativa de substituir o carácter solidário da resposta pública pelo assistencialismo, que mais não visa que perpetuar a miséria e criar laços de dependência entre as camadas da população mais afectadas e instituições particulares que fazem, de forma crescente e diferenciada, desta realidade um novo negócio.

Lisboa, 20.07.2015

[1] Utilizou-se o risco de pobreza com base na linha de pobreza ancorada em 2009.

[2] Não havendo dados disponíveis com base na linha de pobreza ancorada em 2009, usaram-se os dados relativos ao rendimento mediano apurado para 2013

[3] Dificuldade em fazer face a três de nove despesas, entre as quais aquecer a casa, pagar uma despesa inesperada sem ter de recorrer a crédito ou fazer uma semana de férias por ano