Porém, infelizmente, não é assim. Eis que 40 anos após a restauração da democracia, a conquista de liberdades cívicas e políticas e a consagração dos direitos humanos e sociais fundamentais, nos encontramos numa situação em que a democracia, as liberdades e os direitos tão arduamente construídos correm grave perigo.
As crises económicas e financeiras que assolaram a Europa e o mundo global nos últimos anos e o seu cortejo de soluções políticas e económicas de cariz vincadamente neo-liberal, apresentadas como únicas e infalíveis, tiveram como resultado a imposição ao país e aos seus cidadãos de medidas de austeridade restritivas dos seus direitos e liberdades, que estão a promover a recessão económica e o empobrecimento da população, a destruir o Estado social e, por essa via, a enfraquecer a liberdade e a democracia.
Por isso é tempo de reflectir sobre os acontecimentos do passado que nos trouxeram até aqui, sobre o presente que nos querem impor à força, e sobre o futuro que queremos construir, não apenas para nós mesmos, mas sobretudo para os nossos filhos e netos.
Elemento incontornável desta reflexão é a nossa Constituição, a lei fundamental aprovada dois anos após a Revolução, há precisamente 38 anos, para concretizar o espírito e os ideais de Abril.
A Constituição é o pilar principal do regime democrático nascido do 25 de Abril, o garante dos nossos direitos e liberdades, onde estão plasmados os ideais e aspirações do povo português. Aí estão consagrados os princípios que caracterizam e dão corpo e sentido ao Estado de direito democrático e ao Estado social. Foi nesta base que erguemos o Serviço Nacional de Saúde, universal e gratuito, que construímos o sistema público de segurança social para proteger e apoiar todos os cidadãos sem distinção na falta ou diminuição de rendimentos e em todas as situações de carência, que democratizamos o ensino e abrimos a todos a Escola Pública, na busca permanente de proporcionar a todos igualdade de oportunidades, sendo estas talvez as mais importantes realizações do Portugal do século XX, só possíveis com a Revolução.
Finalmente, foi na Constituição que consagrámos os direitos fundamentais dos trabalhadores e das suas organizações, nomeadamente a liberdade sindical, o direito de negociação colectiva, o direito de greve e o direito à segurança no trabalho, e ainda o direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes de modo a permitir a conciliação da vida profissional com a vida familiar e pessoal, o direito ao limite máximo da jornada de trabalho e à fixação de limites à duração do trabalho, o direito ao descanso semanal e a férias pagas, o direito à segurança e saúde no trabalho, o direito à assistência no desemprego e à justa reparação em caso de acidente de trabalho e o direito ao salário. Direitos duramente conquistados por muitas gerações de trabalhadores, que a Revolução de Abril permitiu consolidar e fortalecer, que hoje estão igualmente postos em risco, e que não podemos deixar perder.
Temos hoje uma Constituição adulta, que foi alterada, testada, experimentada, posta à prova por vários meios e formas, mas que permanece como o símbolo de tudo aquilo que a Revolução de Abril significou para o povo português e para este país que, com base os direitos e princípios nela consagrados, cresceu, evoluiu e se tornou um lugar muito melhor para viver.
Não tenhamos ilusões – sem o 25 de Abril e sem esta Constituição dele nascida, não seriamos o pais que somos hoje, apesar de todas as vicissitudes e de todos os avanços e recuos que fomos sofrendo ao longo destes 40 anos.
Por isso, hoje mais do que nunca, porque nunca nestes 40 anos a democracia, a liberdade e os direitos que conquistámos correram tão grave perigo como agora, temos que respeitar, honrar e defender a nossa Constituição, contra quantos pretendem perverter os seus princípios, enfraquecer os direitos que consagra e desvalorizar a sua importância e significado
DIF/CGTP-IN
Lisboa, 02.04.2014