A situação pandémica provocada pela doença COVID 19 e o registo de uma propagação acelerada do vírus SARS.CoV-2 em determinadas zonas do país trouxe novamente para a ribalta um fenómeno, sobejamente conhecido e já várias vezes denunciado pela CGTP-IN, inclusivamente junto da OIT, que é a exploração de trabalhadores estrangeiros, sobretudo no sector da agricultura intensiva, em situações muito próximas de trabalho forçado.
Estes trabalhadores são aliciados para o nosso país por angariadores sem escrúpulos, frequentemente ligados a redes de tráfico humano, que actuam sob o disfarce de agências de trabalho temporário, sendo depois abusivamente constrangidos a viver e a trabalhar em condições infra-humanas, com poucos ou nenhuns direitos sociais e laborais, recebendo salários muito abaixo do que lhes foi prometido e do que lhes seria legalmente devido.
Estas situações, que correspondem a graves violações dos direitos humanos, só são possíveis, por um lado, com a cumplicidade dos empregadores, sobretudo multinacionais detentoras das grandes explorações de agricultura intensiva que proliferam na região do Baixo Alentejo, e que assim dispõem de um exército de mão de obra barata, da qual se desresponsabilizam completamente, pretendendo assim distanciar-se do incumprimento da lei e da violação dos direitos humanos, sociais e laborais destes trabalhadores.
Recorde-se que, em 2016, foi aprovada na Assembleia da República uma alteração legislativa que, com o objectivo de combater o trabalho forçado e outras formas de exploração laboral, prevê a responsabilização contra-ordenacional e a penalização de toda a cadeia de contratação e subcontratação ao longo da qual se multiplica a exploração dos trabalhadores, o que provocou a fúria das confederações patronais, que consideraram esta alteração inadmissível.
A reacção desmesurada então observada demonstrou de modo claro que o patronato, embora publicamente se afirme contra qualquer forma de trabalho forçado, não está disposto a assumir quaisquer responsabilidades nem admite a existência de regras que penalizem condutas violadoras de direitos humanos, preferindo manter uma situação de livre impunidade perante o incumprimento da lei e a exploração dos trabalhadores.
Por outro lado, também não consta que, quase cinco anos volvidos sobre a aprovação da lei, tenha havido qualquer sanção aplicada aos prevaricadores por conta deste normativo.
De facto, a inacção quase total das entidades competentes perante estas situações tantas vezes denunciadas, com especial destaque para a Autoridade para as Condições Trabalho (ACT), a quem cabe fiscalizar e sancionar estas e outras violações laborais, também ajuda a explicar a persistência e proliferação destas situações. Sem que seja possível ignorar que esta entidade não tem sido dotada dos meios humanos e técnicos necessários e adequados ao combate a todas as situações de ilegalidade que vão ocorrendo, sendo que esta situação da exploração laboral no sector agrícola requer um conjunto de meios e inclusive a articulação com outras entidades, o que não depende apenas da ACT, mas exige que haja vontade política para um verdadeiro combate a estes fenómenos.
Está assim bem ilustrada a tolerância e displicência com que tem sido encarada, social e politicamente, a exploração dos trabalhadores migrantes no sector da agricultura intensiva designadamente na região do Baixo Alentejo.
Neste quadro, aquilo que actualmente se está a passar no concelho de Odemira, nomeadamente as indignas condições de habitação potenciadoras da propagação do vírus, não devia espantar ninguém.
A CGTP-IN só lamenta – e não pode deixar de se indignar – que tenha sido necessária uma crise pandémica para trazer finalmente a público esta situação e levar o Governo a reconhecer que se está perante uma situação de clara violação de direitos humanos.