SEP lembra reivindicações no Dia Internacional do Enfermeiro

dia enfermeiroHoje, 12 de Maio, assinala-se o Dia Internacional do Enfermeiro do Ano Internacional do Enfermeiro, 2020. O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses celebrou a data com acções simbólicas em alguns distritos do país para dar voz às suas reivindicações.

ANO INTERNACIONAL DO ENFERMEIRO – OMS
Dia Internacional do Enfermeiro 2020
200 anos do nascimento de Florence Nightingale

O Dia Internacional do Enfermeiro foi criado pelo Conselho Internacional de Enfermeiros. E, a data foi escolhida para assinalar o aniversário do nascimento de Florence Nightingale, considerada a fundadora da enfermagem moderna.

Florence Nightingale nasceu em Florença no dia 12 de maio de 1820. As visitas constantes que fazia com sua mãe a doentes foram decisivas na escolha de Florence pelo curso de enfermagem. Florence estudou, publicou estudos comparativos e foi convidada para superintendente de enfermeiras voluntárias na Guerra da Crimeira, em 1853. Nessa altura, as inovações trazidas por ela à enfermagem resultaram na diminuição de mortes de 42,2% para 2,2%. A sua dedicação rendeu-lhe a condecoração da Cruz Vermelha Real em 1883.

A Organização Mundial de Saúde decidiu que 2020 seria o Ano Internacional do Enfermeiro. Fê-lo com o objectivo de trazer para a agenda dos governantes do mundo inteiro, uma problemática, que apesar dos alertas sistemáticos e contínuos, tem sido relegada para um plano secundário: a extrema carência de enfermeiros e enfermeiros especialistas em todos os países e o seu impacto no acesso a cuidados de saúde pelas populações.

É um paradoxo que em todas as Assembleias Mundiais da OMS, os países membros subscrevam as orientações daquela Organização, nomeadamente, os “Objetivos para o Milénio” e “Os Objetivos para um Desenvolvimento Sustentável” onde se inclui a Cobertura Universal, mas continuem a ter uma politica de recursos humanos que coloca, logo na base, dificuldades em atingir o que subscrevem. Em Portugal, não é diferente.

Desde o inicio deste século, mas com base em politicas decididas em 1990, assistiu-se de forma paulatina à tentativa de destruir o Serviço Nacional de Saúde e à autonomia de decisão técnica dos profissionais de saúde. Só não se foi mais longe devido à luta, também, dos diferentes grupos profissionais da área da saúde. O ponto alto deste ataque aconteceu entre os anos de 2011 e 2015 em que a mensagem argumentativa da situação financeira do país dava para tudo e que determinou uma inaceitável redução do Orçamento do Ministério da Saúde.

A Lei de Bases da Saúde de 1990, a primeira Parceria Público-Privada do hospital Amadora Sintra, as Experiências Inovadoras de Saúde de Santa Maria da Feira, do Barlavento Algarvio e de Matosinhos, os hospitais sociedade anónima depois empresas públicas e finalmente a passagem dos funcionários públicos a contrato em funções públicas, tudo faz parte da mesma estratégia: reduzir o papel do Estado e dos seus trabalhadores nos serviços essenciais e funções sociais constitucionalmente consagradas.

Pelo meio foram destronadas medidas emblemáticas que se afiguravam “perigosas” aos interesses neo-liberais e que tinham como denominador comum: “a saúde é o melhor negócio do século 21”. São exemplo, a eleição dos directores médico e de enfermagem nos hospitais (era muito democrático), a implementação dos sistemas locais de saúde e dos centros de responsabilidades integradas, a utilização plena da capacidade instalada no SNS e a sempre preterida promoção da saúde e prevenção da doença.

A actual situação pandémica pelo COVID-19 e a pressão sobre os sistemas de saúde, designadamente sobre os Serviços Nacionais de Saúde (SNS), as suas potencialidades e as suas fragilidades deve fazer-nos reflectir. É interessante a constatação do reconhecimento por parte do Presidente da República a um enfermeiro português a trabalhar num hospital público do Reino Unido.

Um reconhecimento merecido, não temos dúvidas, como aliás deve ser o reconhecimento de todos os profissionais de saúde que globalmente combatem esta pandemia. Mas este reconhecimento vai para além da “espuma dos dias”. O Serviço Nacional de Saúde inglês (NHS), inspirador do SNS português, foi criado depois da 2ª guerra mundial para garantir que todos os ingleses, depois daqueles anos de devastação, tinham acesso a cuidados de saúde e ao bem-estar. Na década de 80 do século XX o NHS sofreu, pelas mãos do Partido Conservador liderado por Margareth Tachter, o mais brutal ataque já visto a um serviço público. Entre outros aspectos, muitos hospitais foram privatizados e outros transformados em parcerias publico-privadas, as unidades dos cuidados de saúde primários foram transformadas em trust (empresas) e os enfermeiros foram afastados dos lugares de decisão onde tinham estado desde a criação do NHS.

Os relatórios em saúde e os indicadores depressa começaram a reflectir o impacto daquelas medidas: uma população inglesa mais doente e mais medicalizada. Em meados da década de 90 foram identificados vários retrocessos e é reconhecido que os enfermeiros deveriam voltar a ocupar lugares de decisão em toda a hierarquia. Curioso quando, afinal, remonta ao final do século XIX esta constatação: Florence estudou, publicou estudos comparativos e foi convidada para superintendente de enfermeiras voluntárias na Guerra da Crimeia, em 1853. Nessa altura, as inovações trazidas por ela à enfermagem resultaram na diminuição de mortes de 42,2% para 2,2%. Para os governantes portugueses a realidade experienciada pelo nosso mais antigo aliado europeu, a evidência da gestão feita por enfermeiros e dos cuidados de enfermagem na diminuição de mortes ou da mortalidade infantil nos nossos centros materno-infantis, de nada serviu. A sua guerra era, é, contra os serviços públicos e, de entre eles, os de saúde. Afinal se o tratamento da doença é um negócio lucrativo, as pessoas pouco interessam!

O reconhecimento do Presidente da República, enquanto decisor politico em vários momentos ou enquanto membro da cúpula do PSD, ao enfermeiro português a trabalhar num hospital do NHS inglês, tem que ser entendido como o reconhecimento que a opção por politicas de desmantelamento e privatização do SNS foram, são erradas. E que caso tivessem sido concretizadas na sua totalidade, como era objectivo do PSD, estaríamos no actual contexto pandémico a enfrentar um drama ainda maior, nomeadamente em termos de numero de mortes. A Enfermagem e os enfermeiros portugueses A enfermagem portuguesa e os seus líderes deram um “passo de gigante”, em 1974, quando decidiram que no nosso país deixariam de existir auxiliares de enfermagem. Quem o era (a maioria) fez os chamados “Cursos de Promoção” e passou a ser enfermeiro.

E, nas Escolas de Enfermagem passou a ser administrado os Cursos de Enfermagem Geral. Este “passo” foi muito relevante para que, em 1988, o ensino de enfermagem integrasse o sistema educativo ao nível do Ensino Superior Politécnico, com a atribuição do grau de Bacharel, e, em 1999 a atribuição do grau de Licenciatura. Pelo meio, as lutas pelo reconhecimento social da profissão permitiram a conquista de uma carreira única para todos os enfermeiros do setor público (1981), o reconhecimento da enfermagem como uma profissão intelectual e cientifica na Classificação Nacional das Profissões, a consagração da autonomia dos enfermeiros com o Regulamento do Exercício Profissional (de aplicação a todas as instituições de saúde) em 1996 e, finalmente, a delegação na profissão e nos enfermeiros a sua auto-regulação como instrumento para salvaguardar os interesses dos cidadãos no que aos cuidados diz respeito, a Ordem dos Enfermeiros (1999).

É o conjunto de todos estes “pilares” da profissão que estão na génese do reconhecimento internacional da Enfermagem Portuguesa. Neste ano, e neste dia, que celebramos a Enfermagem e os enfermeiros, importa reforçar a importância do papel dos enfermeiros na assessoria, na gestão, na prestação dos cuidados gerais e especializados e na formação graduada e pós-graduada. Vivemos momentos conturbados devido à pandemia mas, hoje mais do que nunca, apercebemo-nos que temos situações preocupantes de saúde pública, cada vez com menos tempo de permeio.

Foi a chamada gripe das aves, o ébola e agora o COVID-19. Por estarmos longe, a maioria de nós não tem consciência do combate diário dos profissionais de saúde, também dos enfermeiros e dos enfermeiros especialistas, à malária, à dengue, à lepra, à sub-nutrição, à mortalidade materno-infantil, em torno da necessidade de haver água potável, etc. Poucos terão consciência que foi uma organização de enfermeiros, o Conselho Internacional de Enfermeiros, que pela primeira vez alertou para a contrafacção de medicamentos. São também os enfermeiros que em todo o mundo têm estado na linha da frente na exigência da cobertura universal dos planos de vacinação, que têm tido um papel determinante na luta contra o tráfico de seres humanos (muitos deles enfermeiros) e de crianças, contra a violência doméstica, etc.

O denominador comum que os faz estar em todas estas “linhas da frente” é a proximidade e a confiança que estabelecem com as pessoas, com os doentes e as suas famílias. O legado do Ano Internacional dos Enfermeiros. Neste ano de 2020, e em particular neste 12 de maio, é importante que se afirme bem alto que são os enfermeiros, ao longo dos anos, que têm assumido este papel porque este é, também, o papel dos enfermeiros.

Temos, todos nós enfermeiros e as suas estruturas representativas, que agarrar esta oportunidade no sentido de garantir que, no futuro, exista uma nova forma de olhar para a enfermagem e que os enfermeiros sejam reconhecidos como aqueles que, estando mais próximos das pessoas, estão numa situação privilegiada para garantir o bem-estar global da população.

Não há dúvida sobre o reconhecimento que a enfermagem e os enfermeiros têm tido nos últimos meses. Mas os decisores, Governo e patrões, têm que ir mais longe na materialização desse reconhecimento. E, por isso, é exigível, designadamente:

- Que os enfermeiros sejam um investimento e uma mais-valia nos diferentes sistemas de saúde, também no SNS, e não uma despesa como muitos nos continuam a “olhar”;

- Que aos enfermeiros seja reconhecida a sua capacidade de liderança, nomeadamente, participando em todos os patamares de decisão;

- Que se continue a denunciar o impacto da carência de enfermeiros e de enfermeiros especialistas e a necessidade de admitir todos os que terminam a sua formação superior. Paralelamente, exigir condições para a retenção dos que cá trabalham. Nomeadamente, através da melhoria das condições de trabalho, melhoria dos salários (desde logo a correcção de injustiças relativamente à contagem de tempo de serviço/pontos e carreira), mais respeito, mais valorização e mais recompensa.

Como dizia o Dr. Tedros em 2019, “Não é possível atingir a cobertura de saúde universal e os objectivos inscritos nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável sem o empoderamento dos enfermeiros e enfermeiros especialistas e sem o aproveitamento desse seu poder”;

- Que o potencial das práticas especializadas e avançadas de enfermagem sejam reconhecidos como uma das formas para dar resposta à agenda global da cobertura universal de saúde, aos novos modelos de cuidados, às doenças crónicas, ao aparecimento de novas doenças, ao combate das consequências das alterações climáticas, etc;

- Que a evidência produzida por enfermeiros seja tomada em linha de conta e seja utilizada, designadamente, para construir novos serviços e novas formas de os organizar. Na verdade, precisamos que os decisores políticos deixem de estar vinculados aos organigramas do passado e aceitem que, ter

enfermeiros em posições de liderança e dar-lhes voz, é reconhecer que estão a fazer um investimento no futuro do SNS e na saúde dos portugueses;

- Que se reconheça e valorize que são os enfermeiros que estão, e sempre estiveram, na linha da frente no informar e ensinar, no desenvolvimento e implementação das politicas de saúde;

- Que se reconheça e valorize que o vasto conjunto de intervenções dos enfermeiros e dos enfermeiros especialistas, e o seu papel na sociedade, nos centros de saúde, nos hospitais tem que ser repensado;

- Que se reconheça e valorize que ter mais enfermeiros nos cuidados de saúde primários é garantir mais e melhor acesso aos cuidados de saúde que resultam em bem-estar físico, psíquico e social aos portugueses;

- Que se reconheça e valorize que ter mais enfermeiros nas Unidades de Cuidados na Comunidade, cuja missão é prestar cuidados de saúde a grupos de risco e pessoas vulneráveis, é garantir a diminuição dos factores de fragilidade e, consequentemente, de segregação que atingem, principalmente, estas pessoas. É garantir, no quadro actual, que os doentes infectados com COVID-19 possam ser tratados e reabilitados nos seus domicílios e que os nossos idosos, com várias co-morbilidades, não “descompensam”. É garantir que os mais novos, as crianças e jovens, podem ter nas suas escolas os ensinos para a saúde que serão determinantes na sua vida futura;

- Que as politicas de saúde estejam em todas as politicas. A Lei de Bases da Saúde fixa a criação dos Sistemas Locais de Saúde, envolvendo todos os parceiros que possam existir naquela comunidade: autarquias, escolas, empresas, universidades, hospitais, centros de saúde, serviços de saúde pública, lares, etc. É necessário que os enfermeiros, pelo seu conhecimento e competência, estejam no patamar mais elevado destes Sistemas Locais de Saúde enquanto articuladores das politicas de saúde a adoptar localmente;

É preciso que todos percebam que os enfermeiros, na sua generalidade, colocam e sempre têm colocado o utente e o doente no centro das suas intervenções, e, raramente decidem o que fazer ou não fazer em função do maior rendimento que cada uma dessas opções lhes pode trazer.

Neste Ano Internacional do Enfermeiro e especialmente neste Dia Internacional do Enfermeiro mais do que recordar o reconhecimento que a nível global nos tem sido feito, e que agradecemos, queremos continuar a colocar na agenda politica o imprescindível papel dos enfermeiros e dos enfermeiros especialistas no acesso e nos ganhos em saúde das populações, no fundo, na conquista do bem-estar físico, psíquico e social dos seres humanos e não só na ausência de doença.

FONTE: SEP