CONFERÊNCIA EUROPEIA SOBRE O AMIANTO
(Grupo Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica)
O AMIANTO EM PORTUGAL
Armando Farias
1 – Antecedentes
Em Portugal, desde as primeiras décadas do século passado que não há exploração de amianto uma vez que existem apenas alguns jazigos de pequeno porte no Nordeste Transmontano e no Alentejo.
Assim, o amianto que é utilizado como matéria-prima em actividades industriais, particularmente no fabrico de fibrocimento, é importado principalmente da Africa do Sul e Canadá.
O fibrocimento é utilizado em Portugal desde há muitas décadas, mas foi a partir de 1970 que se intensificou a produção de materiais de fibrocimento para aplicação na construção civil e agricultura (placas para revestimento de paredes e para coberturas de edifícios, tubagens para transporte de água, etc.). Esta actividade de produção de fibrocimento consumia, até há poucos anos atrás, 90% do amianto importado, sendo os restantes 10% aplicados no fabrico de produtos manufacturados (tecidos, cordas e cordões, etc.) e na indústria de materiais de fricção (calços para travões, embraiagens…).
É também a partir dos anos 80, após a publicação da directiva comunitária 83/477/CEE, e da proibição da crocidolite, que as principais fábricas de fibrocimento no país desenvolveram uma intensa campanha contra o banimento do amianto, juntando-se então os lobies que defendem o uso controlado do amianto crisótilo, pretensamente menos perigoso que as outras variedades do mesmo mineral.
O consumo de amianto crisótilo para fabrico de produtos de fibrocimento foi no triénio 1994-96, em termos médios, de 7300 toneladas/ano; cerca de 30% do fibrocimento era produzido nessa data sob a forma de tubagem.
Entretanto, nos princípios da década de 1990, as empresas foram obrigadas a cumprir algumas exigências legais em matéria de protecção da saúde dos trabalhadores (Decreto-lei 284/89) pelo que realizaram importantes investimentos, suportados em grande parte por fundos comunitários, nomeadamente as seguintes medidas:
Mecanização de operações fabris e encapsulamento;
Substituição de processos de trabalho a seco por processos a húmido;
Melhoria dos sistemas de captação de poeiras;
Reforço dos meios de limpeza dos locais de trabalho;
Nos finais de 1990, existiam em Portugal 5 fábricas de fibrocimento que empregavam cerca de 800 trabalhadores; uma fábrica na área dos têxteis e duas fábricas de materiais de fricção. No conjunto, estima-se que estariam empregados naquela data, em postos de trabalho directos e indirectos, cerca de 3000 trabalhadores.
Três das empresas de fibrocimento (Cimianto, Novinco e Lusalite) criaram na década de 80 a Associação das Industrias de Produtos de Amianto (AIPA). Esta organização assumiu em Portugal o papel do lobie que se tem oposto ao banimento do amianto, produzindo muita documentação a justificar uma pretensa nocividade para a saúde das fibras de amianto crisótilo, ao mesmo tempo que desenvolveu uma intensa campanha junto dos Governos para que a legislação portuguesa continuasse a autorizar o uso do crisótilo.
A AIPA procedeu à instalação, no início dos anos 90, de um laboratório de controlo de fibras, acreditado pelo IPQ (Instituto Português de Qualidade) e auditado pela OMS.
2 – Situação actual
Face à nova legislação comunitária entretanto aprovada sobre a proibição do uso do amianto a partir de Janeiro próximo, as fábricas portuguesas de produção de fibrocimento foram obrigadas a optar por outras alternativas ao amianto, passando a utilizar o PVA, celulose e sílica amorfa.
Mas não podemos esquecer os malefícios causados aos trabalhadores que durante muitas décadas estiveram expostos ao amianto. Aliás, o desprezo e a insensibilidade que as empresas demonstraram relativamente ao risco que para a saúde resulta do uso do amianto está bem presente nas palavras do administrador de duas das principais empresas portuguesas do fibrocimento (Cimianto e Novinco). Este senhor, sendo conhecedor dos problemas que estas fibras provocam sobre a saúde e a vida dos trabalhadores, não teve mesmo assim pejo em confessar publicamente que gostaria de integrar uma equipa de voluntários para apoiar os doentes de cancro em fase terminal. É inacreditável a desfaçatez com que este administrador faz tal confissão: primeiro cria as condições para contaminar os trabalhadores e depois ainda pretende assistir à sua morte. Simplesmente macabro!
3 – A ausência de Indicadores Estatísticos
Quanto a indicadores estatísticos sobre as doenças profissionais provocadas pelo uso do amianto, apenas se conhecem dados relativamente ao período 1985-93, que refere 71 casos de doença profissional devido ao amianto, com 6 mortes no ano de 1992. Em 2003 o Ministério da Segurança Social registou 161 casos de doenças profissionais com incapacidade, devido a fibroses pulmonares e bronco pulmonares, e mais 5 casos de doença profissional sem incapacidade devido a lesões pleurais consecutivas à inalação de poeiras de amianto.
Evidentemente que estes dados não merecem credibilidade, pois a realidade é muito diferente. O sistema estatístico em Portugal é péssimo: não se conhece o número dos trabalhadores expostos ao amianto, como não se sabe quantos foram afectados, quantos podem estar a desenvolver doenças causadas pelo amianto, quantos já morreram sem lhes ter sido diagnosticada a causa verdadeira da doença, enfim, qual a estimativa prevista para os que podem vir ainda a contrair doenças por estarem expostos ao amianto. O facto é que o não reconhecimento de muitas doenças profissionais provocadas pelo amianto é desde logo uma consequência desta anomalia do sistema estatístico em Portugal e que conduz à situação de, por exemplo, desde 1990 serem diagnosticadas centenas de doenças pulmonares, mas de que não se identificam as causas respectivas. O absurdo de tudo isto leva a que o índice de frequência de cancro do pulmão em Portugal não seja de nenhum modo comparável com a situação existente em qualquer outro país da comunidade europeia.
4 – A Intervenção da CGTP-IN no combate ao uso do amianto e da sua remoção em condições de segurança
A CGTP-IN tem tido um papel activo na denúncia e esclarecimento dos perigos causados pelo uso do amianto, participando em debates e outras iniciativas, reclamando do Governo português desde há muitos anos, a proibição total do amianto.
Esta intervenção estende-se também quanto às preocupações a ter relativamente à presença de amianto em edifícios públicos e às medidas a tomar para prevenir a segurança e saúde dos cidadãos. As posições públicas tomadas pela CGTP-IN foram também decisivas para que a Assembleia da República Portuguesa tivesse aprovado em 2003 uma Resolução (Resolução nº 24/2003) que determina a inventariação de todos os edifícios públicos contendo amianto, bem assim, que os trabalhadores e os utilizadores frequentes dos edifícios em causa sejam submetidos a vigilância epidemiológica activa. Esta Resolução recomenda ainda a proibição total do uso do amianto na construção de edifícios, nomeadamente construções escolares e equipamentos de saúde e desportivos.
Contudo, as medidas constantes desta Resolução não têm sido aplicadas, razão pela qual a CGTP-IN reivindicou dos Governos um conjunto de acções prioritárias, nomeadamente as seguintes:
• No plano das politicas de prevenção
• Urgente proibição do amianto, não excluindo nenhuma variedade deste mineral, nem nenhum sector de actividade;
• Inventariação de todos os edifícios públicos cuja construção contenha placas de fibrocimento, com elaboração de um plano de acção hierarquizado e calendarizado, com vista à remoção e substituição dessas placas;
• Realizar campanhas de esclarecimento e informação entre as quais campanhas especificas de vigilância de todas as empresas que usem e manipulem amianto, incluindo o desenvolvimento e implementação de técnicas para eliminação ou tratamento e valorização de resíduos que contenham amianto;
• Reforçar a capacidade de fiscalização e controlo inspectivo das competentes autoridades publicas.
• No plano dos direitos dos trabalhadores e das vitimas
• Desenvolver a negociação entre as partes envolvidas (Governo, Empresas e Sindicatos) para que sejam tomadas as medidas apropriadas à reconversão da indústria que utiliza o amianto por produtos alternativos que ofereçam o mais elevado nível de segurança, garantindo a defesa da saúde dos trabalhadores;
• Adoptar os critérios já existentes em países da UE quanto ao reconhecimento das doenças profissionais causadas pela exposição ao amianto , por forma a atenuar as injustiças sociais que resultam da falta de harmonização desses mesmos critérios;
• Estabelecimento de um sistema público de indemnizações aos trabalhadores afectados pelo amianto, com cobertura total das perdas e cuja responsabilidade deverá ser assumida pelo Governo e pelas Empresas.
• Aspectos médico-sanitários
• Garantir uma vigilância epidemiológica activa aos trabalhadores expostos ao amianto, em particular aos trabalhadores e utilizadores frequentes dos edifícios construídos com amianto;
• As pessoas afectadas pelo amianto devem gozar gratuitamente de todos os exames e cuidados médicos;
• O reconhecimento das doenças profissionais causadas pelo amianto deverá ser acompanhado de uma melhoria das terapias disponíveis, devendo o sistema nacional de saúde pública conter o registo dos trabalhadores expostos.
• Outras medidas prioritárias para a prevenção
• Proceder ao registo público de edifícios que sejam fonte de exposição ocupacional e ambiental ao amianto, para proteger os trabalhadores e outros cidadãos no caso de remodelação ou demolição (muitos edifícios são lugares públicos e são lugares de trabalho);
• Os trabalhos de remoção de amianto devem ser efectuados por empresas especializadas e credenciadas com base em critérios adequados como, por ex.: experiência no tipo de construção em causa; qualidade dos equipamentos de protecção utilizados; formação dos trabalhadores , etc.
A CGTP-IN mantêm-se muito atenta aos problemas causados pela exposição ao amianto e apoia sempre as posições das Organizações Sindicais de todo o mundo que lutam pelo seu banimento. Ainda recentemente a CGTP-IN dirigiu uma exposição ao Ministério do Ambiente sobre os trabalhos de remoção de amianto que estão a ser efectuados na Base Militar de Beja, pois há indícios de que foi contratada uma empresa que não tem nem os equipamentos necessários, nem a preparação técnica e conhecimentos adequados para realizar aqueles trabalhos.
A CGTP-IN também aderiu à Jornada Mundial contra o Amianto , no dia 9 de Setembro, promovida pela UITBB – União Internacional dos trabalhadores da Construção, Madeira e Materiais de Construção, tendo subscrito nesta data, conjuntamente com a sua filiada FEVICCOM – Federação da Construção, Cerâmica e Vidro de Portugal, um Manifesto aos trabalhadores portugueses, exortando à continuação da luta contra o uso do amianto e pela exigência do seu total banimento em todo o mundo.
Referências:
- Fórum Amianto (Portugal – Outubro/2004)
- AIPA – Associação das Industrias de Produtos de Amianto
- Documentos da CGTP-IN
Setembro 2005