No dia em que se assinala o Dia Mundial da Saúde, vivemos uma luta contra a pandemia causada pela doença COVID-19 por acção do vírus SARS-CoV-2, com pesadas consequências em perdas de vidas humanas, de sofrimento e de ansiedade social. O antecedente histórico mais próximo de uma pandemia com este impacto foi a “gripe espanhola” de 1918-1919, da qual morreram dezenas de milhares de portugueses.
A presente pandemia tem consequências que envolvem toda a população e que afectam todo o seu quotidiano, devido à doença em si e às medidas de prevenção, com o confinamento de uma parte substancial dos cidadãos.
O crescimento do número de infectados não tem sido a ritmo tão elevado como no início se chegou a temer e a taxa de letalidade está distante da verificada em países como Espanha, Itália e França. Ainda assim os dados mais recentes (6 de Abril) indicam 11730 casos confirmados, 311 mortos, 1099 internamentos e 270 doentes em cuidados intensivos. A taxa de letalidade situa-se em 2,7%.
O ritmo de crescimento tem vindo a descer (de mais de 30% para 9,1% na média dos últimos sete dias), para o que tem contribuído a resposta do SNS e seus profissionais, e das autoridades de saúde. As suas orientações têm vindo a ser cumpridas pela generalidade da população, antes mesmo da declaração do Estado de Emergência.
O Serviço Nacional de Saúde tem respondido à crise pandémica, ainda que nem sempre disponha de todos os meios que deveria possuir. O reforço do SNS em meios humanos e técnicos é crucial. Esse reforço tem vindo a ser feito nalgumas áreas, como o aumento da capacidade de resposta da linha SNS24, a disponibilidade de mais ventiladores e a montagem de unidades de retaguarda dos hospitais. Para a CGTP-IN é vital continuar este esforço, não só porque os riscos são enormes, como pelo facto de haver insuficiências nalgumas áreas, como na realização de testes.
O SNS teria seguramente mais capacidade de resposta, se não estivesse a pagar custos de um passado de má memoria, em que foi debilitado pela política de direita, a que designaram de austeridade, cujas vertentes mais gritantes foram a redução de profissionais, os cortes de valências e capacidade de resposta. Mas também pela manutenção do subfinanciamento, com transferências do Orçamento de Estado inferiores à despesa, na última legislatura.
As Funções Sociais do Estado e o SNS em particular, têm vindo a ser sacrificadas em nome de uma política económica cuja directriz essencial a redução do défice público e a obtenção de elevados saldos primários. Portugal teve mesmo um excedente em 2019 que só não foi mais elevado devido aos apoios ao Novo Banco. É agora mais que evidente, que a opção deveria ter sido reforçar o SNS.
A CGTP-IN valoriza o esforço feito pelo SNS e o empenho dos profissionais de saúde, a quem manifesta total solidariedade e reconhecimento, os quais, na linha da frente do combate à pandemia, estão mais expostos e com risco de vida.
Embora a taxa de letalidade esteja abaixo da verificada noutros países da Europa, não devemos subestimar os riscos. Por isso, entendemos que o reforço do SNS a par das medidas de prevenção que devem ser seguidas pelos cidadãos, de acordo com as orientações emanadas das autoridades de saúde, constituem armas decisivas para evitar situações tão dramáticas como as verificadas em Espanha e Itália.
Impedir a ruptura dos serviços de saúde deve, pois, constituir um objectivo fundamental. A pandemia tem consequências em todos os domínios, pelo que da natureza da resposta à crise vai depender o nosso futuro colectivo. As consequências de uma recessão económica profunda podem ser de dimensão equivalente à crise sanitária.
Os trabalhadores estão particularmente expostos, nos seus empregos, nos rendimentos e nos seus direitos. Muitos estão já a ser vítimas de despedimentos colectivos, da não renovação de contratos a termo, de despedimentos selvagens e da imposição de licenças sem vencimento, bem como de férias forçadas. O regime de "lay-off" simplificado, que significa um corte salarial e enfraquece a segurança social, poderá atingir 1 milhão de trabalhadores, o que representa 35% dos trabalhadores do sector privado. Neste momento, há já uma vaga de empresas a anunciar recorrer a este regime.
A pandemia não pode ser usada para aniquilar ou enfraquecer os direitos dos trabalhadores e das suas organizações sindicais, como decorre da declaração do Estado de Emergência e da sua renovação. A suspensão com carácter generalizado do direito de greve no quadro da declaração do estado de emergência é totalmente incompreensível e injustificada, bem como a suspensão do direito de participação das associações sindicais e comissões de trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho, na medida em que possa atrasar o processo legislativo de medidas urgentes.
Para a CGTP-IN, os momentos de crise são momentos chave para afirmar e não para negar direitos fundamentais. O combate à pandemia, sem deixar de constituir hoje uma prioridade, não pode ignorar as outras doenças, nem pode ser razão para encerrar unidades de saúde sob a invocação da necessidade de centralizar as respostas na luta contra a pandemia. Portugal tem uma população envelhecida, uma elevada incidência de doenças crónicas, uma baixa esperança de vida saudável e fortes desigualdades sociais na saúde. Este panorama não se alterou com a Covid-19.
A redução súbita na procura nos serviços de urgência não deve ser interpretada com ligeireza, afirmando que essa procura não era justificada, mas antes com preocupação, pois existe o risco de o medo do contágio pelo coronavírus estar a afastar os doentes dos cuidados absolutamente necessários, pondo em risco a sua saúde.
Vivemos hoje, no Dia Mundial da Saúde, um tempo marcado pela ansiedade social. Mas também pela determinação e confiança no futuro. A maior sensibilização da população para a importância vital das Funções Sociais do Estado, e em particular de um SNS que cumpra desígnios constitucionalmente consagrados, poderá ser um dos maiores avanços pós-pandemia. Para que possamos passar a dispor de um Serviço Nacional de Saúde reforçado, factor de segurança e confiança das pessoas e promotor da igualdade e da justiça social.
SSPS/CGTP-IN
07.04.2020