Sobre a situação de exceção e emergência que se vive na Educação

O Secretariado Nacional da FENPROF refectiu sobre a situação epidemiológica que se vive no país e as suas consequências na Educação, mais concretamente o impacto que está a ter na vida das escolas e na atividade dos professores e educadores.

Nota à Comunicação Social da FENPROF

SOBRE A SITUAÇÃO DE EXCEÇÃO E EMERGÊNCIA QUE SE VIVE NA EDUCAÇÃO E NO PAÍS DEVIDO À EPIDEMIA DE COVID-19
TOMADA DE POSIÇÃO FENPROF EM 3 DE ABRIL DE 2020

A FENPROF reuniu o seu Secretariado Nacional nos dias 1 e 2 de abril tendo como aspeto central da agenda de trabalho a situação epidemiológica que se vive no país e as suas consequências na Educação, mais concretamente o impacto que está a ter na vida das escolas e na atividade dos professores e educadores. Na reflexão realizada, a FENPROF teve em consideração o que se tem passado nas últimas semanas com as escolas, as informações que têm sido divulgadas pelas autoridades de saúde pública e as declarações avulsas de governantes sobre o futuro do ano letivo.

A primeira palavra vai para os professores e educadores que, desde 16 de março, vêm dando o seu melhor para acompanharem, a distância, os seus alunos, numa exemplar afirmação de empenho e profissionalismo. Os professores e educadores portugueses estão ao lado dos seus alunos, nunca deixarão de estar, e tudo têm feito e continuarão a fazer para minorar os prejuízos que a impossibilidade de haver atividade presencial acarreta para todos.

A questão é mesmo esta: desde 16 de março que não há aulas e não se sabe por quanto tempo mais esta situação se arrastará. Isto porque, a distância, poderão desenvolver-se atividades de natureza educativa, formativa, até, em alguns casos, de cariz académico, mas serão sempre soluções de recurso, pois para se concretizar na sua plena dimensão, o ato educativo impõe sempre a relação presencial de professores e alunos. Essa é insubstituível.

Poderão professores e alunos dar o seu melhor e aceder às melhores plataformas digitais ou a excelentes emissões televisivas de caráter educativo que nunca através do designado ensino a distância, enquanto resposta universal, teremos soluções que se possam considerar boas. Desde logo, por ser impossível evitar graves quebras de equidade, de origem diversa.

As aulas presenciais não serão retomadas em 14 de abril, sendo, até, possível que não haja condições para se retomarem ainda neste ano letivo. E é neste quadro que se vão anunciando hipóteses de trabalho para o que ainda falta do ano letivo, curiosamente, referidas pelo Primeiro-Ministro ou pelo Ministro da Economia, tornando-se evidente, uma vez mais, a ausência de quem se esperaria que estivesse na primeira linha da informação aos portugueses.

Apresenta-se o digital como um dos recursos a usar, mas não se pode esquecer que são milhares os alunos que não têm computador ou que não têm acesso à internet em suas casas e cresce o número dos que se veem privados desses recursos, uns porque os seus pais ficaram desempregados ou são vítimas de layoff (e alguma despesa é preciso cortar) e outros porque se encontram em teletrabalho, com horário a cumprir. Existem também professores que não têm acesso a estes recursos, outros têm e estes, apesar das dificuldades em que muitos se encontram (precariedade, horários incompletos, entre outras situações), asseguram financeiramente os recursos, ligações web e outros para manter o contacto e o acompanhamento dos seus alunos, para além de terem também de partilhar os seus equipamentos com os filhos.

As escolas não colocaram à disposição dos professores os meios indispensáveis para que trabalhem com os seus alunos a distância e, apesar de diversas boas vontades, muitos alunos continuam sem os recursos necessários. O que fez o Ministério da Educação para conhecer os recursos que alunos e professores têm à sua disposição? E o que pensa fazer para superar as carências?

Além disso, é também indispensável que o ME informe as escolas sobre quais as plataformas seguras e que poderão ser utilizadas pelos alunos, tendo em conta a necessidade de proteger dados e de evitar a exposição das crianças e dos jovens na internet. Há, ainda, outros problemas que não podem ser ignorados: a iliteracia digital de muitas famílias, que estão impossibilitadas de apoiar os seus filhos, e os milhares de crianças e jovens com necessidades educativas especiais que, neste contexto de trabalho a distância, ficam privados de apoios de que necessitam, sendo particularmente penalizados. Estamos, pois, a falar de graves quebras de equidade que põem em causa a igualdade de oportunidades, preceito constitucional que a Escola Pública tem de respeitar, mas que, claramente, é posto em causa.

A televisão é outro recurso que tem sido referido e que poderá ser utilizado, mas não se espere que esse seja o meio que permitirá superar todos os constrangimentos. Para além da complexidade da resposta, também não é possível no mesmo dia, à mesma hora e da mesma forma dar uma resposta igual a um universo tão diversificado de alunos. Ainda mais quando as escolas, no quadro da designada flexibilidade curricular, adotaram caminhos distintos na sua organização e na abordagem dos conteúdos curriculares.

Não está em causa a necessidade de os professores, a partir de 14 de abril, retomarem a atividade com os seus alunos. Os professores e os educadores estão conscientes da importância do seu trabalho e da Escola Pública, pelo que, até final do ano letivo, continuarão empenhados no acompanhamento dos seus alunos, mas é necessário ter consciência que esse acompanhamento, enquanto as escolas não puderem reabrir deverá passar por reforçar / consolidar aprendizagens, ajudar a resolver problemas, apoiar nas dificuldades, mas não criando a ilusão de vai ser possível avançar com novos conteúdos e pensar que, no final, tudo será como se nada de excecional tivesse acontecido. E isto, por melhores que sejam as plataformas digitais utilizadas e por mais criativas que sejam as emissões televisivas.

Avançar com novos conteúdos não só seria muito difícil e, em alguns cursos e/ou disciplinas, inexequível, como também se tornaria quase impossível avaliar com rigor e justiça as novas aprendizagens. Inultrapassável torna-se a necessidade de, quando as aulas presenciais forem retomadas, as escolas dirigirem a sua especial atenção para o reforço de apoios e aprendizagens, recuperando algum do tempo perdido, o que implicará a contratação de docentes para esse efeito. Aliás, isso será decisivo para todos os alunos, em especial para aqueles que tiverem sido discriminados e mais penalizados nestes tempos de trabalho a distância.

Independentemente do que vier a acontecer daqui para a frente, a FENPROF reafirma que um ano letivo excecional como este exige medidas excecionais no seu encerramento, devendo articular-se com o início do próximo. Reiteramos que não faz sentido manter as provas de aferição, bem como as provas finais de 9.º ano, devendo a avaliação interna dos alunos ser bastante neste final de ciclo; em relação aos exames do ensino secundário é, igualmente, necessário decidir se serão mantidos e, nesse caso, recalendarizá-los, podendo, em limite, serem realizados já depois das férias de Verão ou, se é possível prescindir deles, sendo definido um regime excecional de acesso ao ensino superior. Se for essa a opção, as instituições de ensino superior terão de ser envolvidas no processo.

Mas há também o problema do ensino profissional, com os alunos a não conseguirem realizar os seus estágios, pois grande parte das empresas em que os iriam realizar estão encerradas. Sendo preocupante para todos, esta situação afeta, em particular, os alunos de último ano, que, inclusivamente, têm já posta em causa a realização da prova de aptidão profissional, que é prova final do curso. Preocupações semelhantes têm os alunos do ensino artístico especializado relativamente à realização das provas de aptidão artística. Para todos estes alunos também é necessário ter em conta os procedimentos para acesso ao ensino superior.

Os tempos que se vivem estão a suscitar preocupações acrescidas, a gerar novos problemas e a agravar alguns dos velhos.

Desde logo, os que se prendem com a carreira docente: os processos de avaliação do desempenho estão suspensos, houve ações de formação que não puderam concretizar-se ou terminar, observações de aulas que, estando programadas, não se realizaram e até tarda a divulgação das listas de candidatos às parcas vagas para progressão aos 5.º e 7.º escalões da carreira, alguns a aguardá-las há 16 anos. A FENPROF continuará a tentar, junto do Ministério da Educação, obter abertura para discutir soluções para os problemas que, inesperadamente, surgiram.

Também a precariedade continua a marcar a vida das escolas. O concurso para vinculação, que foi aberto em março, tem um número de vagas que nem chega a metade do número de docentes aposentados de 2019 e no primeiro trimestre de 2020. Vagas que não vão além de 10% do que permitiria dar resposta às necessidades permanentes das escolas e do sistema educativo.

Também em relação ao envelhecimento do corpo docente das escolas, temos hoje muitas delas com uma elevada percentagem de docentes que, por idade ou situação clínica, integram os grupos de população de risco, dadas as fragilidades do seu sistema imunitário. Até quando continuaremos à espera de soluções para este problema que está mais que identificado?

Os problemas que estão a ser vividos pelos docentes são tão ou mais sentidos por aqueles que desenvolvem atividade no setor social, sejam IPSS ou Misericórdias. Vítimas de abusos e ilegalidades de toda a ordem, já alguns foram despedidos, muitos estão a ser forçados a entrar de férias agora e, a um elevado número, estão também a ser impostas tarefas que não correspondem à sua função, em violação, até, do disposto no decreto presidencial que estabelece o estado de emergência. Os sindicatos da FENPROF têm estado a apoiar estes docentes e a sua ação terá mesmo contribuído para evitar que a muitos deles se aplicasse abusivamente o layoff, que implicariam cortes salariais significativos.

Também no ensino superior e na ciência se vivem dias difíceis com o teletrabalho e, sobretudo, com o arrastamento das situações de precariedade, que, num tempo como o que vivemos, torna ainda mais frágil a vida das pessoas. Exemplo flagrante é o do Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa, onde estão os investigadores que desenvolveram um teste para o SARS-CoV-2, rápido e feito com reagentes produzidos em Portugal. Esses verdadeiros heróis nacionais são investigadores que ainda recentemente, no âmbito do PREVPAP, viram rejeitada a regularização do seu vínculo precário. A própria diretora deste instituto, motor e catalisador desta realização, é uma investigadora precária que ainda há pouco tempo viu ser-lhe recusado um contrato a prazo, ao abrigo do chamado Estímulo ao Emprego Científico. É absurdo, mas é verdadeiro

Uma informação e uma nota final:

A informação é que a FENPROF decidiu contribuir para a aquisição de material necessário aos serviços públicos de saúde que tão boa resposta têm dado neste momento difícil da vida dos portugueses. Nesse sentido, de imediato, doará 10 000 euros ao Instituto Ricardo Jorge, decidindo, ainda, divulgar amplamente as campanhas solidárias que estão em curso, a elas se associando.

A nota é dirigida a todos os trabalhadores portugueses.

Em primeiro lugar, a FENPROF reitera o seu apoio, solidariedade e orgulho com o Serviço Nacional de Saúde e os seus profissionais e reafirma que só um serviço público como este, com profissionais de elevado nível de responsabilidade e profissionalismo, poderia dar a exemplar resposta que está a dar, nas condições em que o fazem.

A FENPROF estende o seu apreço a todos os trabalhadores de serviços essenciais para a superação do grave problema de saúde pública que se vive (bombeiros, forças de segurança, trabalhadores do comércio, de produção de bens essenciais, trabalhadores que continuam a recolher o lixo todos os dias, entre outros) e afirma que a valorização do trabalho e dos trabalhadores não pode ser uma atitude meramente conjuntural em resultado da situação pandémica que Portugal enfrenta.

A solidariedade estende-se, ainda, a todos os que, neste momento, ficaram desempregados, viram os seus contratos de trabalho suspensos ou sofrem cortes salariais significativos. A situação de saúde pública é grave, mas não pode pôr em causa os direitos de quem trabalha. Pelo contrário, os trabalhadores, neste tempo de tantas dificuldades, terão de ser particularmente protegidos e a FENPROF estará disponível para convergir nas ações que se tornem necessárias para que os direitos laborais e socioprofissionais sejam garantidos, ainda que, em alguns casos, tenham de ser retomados.

Portugal, 3 de abril de 2020

O Secretariado Nacional da FENPROF